A história da leitora Kelly Klein, sua endometriose profunda grau IV e suas duas gestações naturais!

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O testemunho da coluna “História das Leitoras” do Mês Mundial de Conscientização da Endometriose é especial por vários motivos.

Além de ser mais uma história real, que comprova a negligência das dores menstruais de uma mulher, o depoimento da londrinense Kelly Klein ratifica que quando a endomulher está em mãos de cirurgião que conhece a doença, é possível não só vencer a infertilidade causada pela endometriose, como recuperar sua qualidade de vida e ficar curada da doença. 

O outro motivo de ser tão especial é que desde 2015 Kelly coordena a EndoMarcha Londrina. Lembro-me até hoje da nossa primeira troca de e-mails, em novembro de 2015. Eu, aos quase seis meses de gestação da Babi, e ela no início da gravidez de Manu. 

Manu nasceu, Kelly continuou na coordenação mesmo com uma bebê em casa. Depois veio a surpresa da gestação de Felipe, e ela seguiu firme e forte. Desde o início a garra de Kelly frente à EndoMarcha Londrina me fez ter uma grande admiração por ela, pois ela é das minhas. 

É daquelas que põe a mão na massa, vai lá e faz acontecer. E ela ainda trabalha fora. Eu sei como é difícil conciliar trabalho, com filhos e vida pessoal. Confesso que estava esperando seu afastamento da EndoMarcha neste ano, mas ela, mais uma vez, me surpreendeu. Saiba as concentrações e os trajetos da EndoMarcha Time Brasil 2018.

E aproveito e já falo aqui, o que já falei para ela recentemente: não quero que ela vá embora tão cedo ahaha. Bom, diz o ditado que a gente atrai aquilo que nós somos. Então, só tenho a agradecer a Deus toda energia que jogo ao Universo.

Com vocês, mais uma história de fé e superação que irá ajudar muitas endomulheres a não perderem a esperança. Beijo carinhoso! Caroline Salazar

 

“Meu nome é Kelly Cristina de Souza Klein, tenho 33 anos, sou de Londrina, casada com meu sempre companheiro Newton Klein, Servidora Pública e mãe de dois preciosos filhos, Manuela, 2 anos e 6 meses, e Felipe, 2 meses.

Estou muito feliz com a oportunidade de compartilhar com vocês minha longa história com a endometriose, história esta que, acreditem, se iniciou na infância.

Exatamente! Desde que me conheço por gente sofro com dores abdominais intensas. Meus pais sabem quantas noites em claro eu passei e quantas idas ao pronto socorro eles me acompanharam.

Mas, infelizmente, comigo aconteceu o mesmo que ocorre com a maioria das mulheres: tive o diagnóstico muito tardio. Só fui corretamente diagnosticada aos 29 anos.

A cólica menstrual severa sempre me acompanhou. Cheguei a pensar que aquilo não poderia ser normal. Porém, aos 12 anos e ouvindo de outras mulheres (até mesmo de uma ginecologista), que a cólica é normal e acompanha a menstruação de toda mulher, cresci pensando que a vida da mulher era assim.

A partir dos 18 anos comecei a sentir fortes dores abdominais que não se restringiam apenas ao período menstrual. Também nessa mesma época, comecei a ter infecções urinárias recorrentes. E eu não tinha plano de saúde.

Me lembro que em uma das idas ao pronto socorro fui ‘diagnosticada’ com cólica renal, embora na ultrassonografia nenhum cálculo aparecesse. Aceitei esse diagnóstico que caiu como uma luva às infecções urinárias que me afligiam.

Aos 25 anos me casei e a partir daí outro sintoma muito devastador começou a me afligir: a dispareunia (dor na relação sexual). As dores foram ficando tão intensas que eu mal tinha libido e quando a tinha, sabia que a dor a sufocaria.

Minha ginecologista na época sugeriu a troca de anticoncepcional, mas nunca tocou na palavra endometriose comigo. De fato, pelo bloqueio hormonal, as dores severas diminuíram, mas não cessaram. Depois disso passei por tanta coisa, foram tantas idas e vindas ao pronto socorro, diagnósticos errados, tratamentos impróprios.

Infelizmente, pelo despreparo da minha antiga ginecologista, ela chegou a cauterizar um foco de endometriose do meu colo do útero, em sua própria clínica, apenas com anestesia local e colocou o CID (Código Internacional de Doenças) de “displasia (lesão) sem causa”.

Enfim… passei por maus bocados.

Após três anos de casados, resolvemos suspender o uso do anticoncepcional para tentar engravidar. E aí veio o último dos sintomas. Após um ano de tentativa, nada!

Era uma frustração por mês. Além desse abalo emocional, devido à suspensão do anticoncepcional, todos os outros sintomas voltaram com tudo: cólicas menstruais severas, dor abdominal durante 20 dias no mês, dor na relação sexual, faltas ao trabalho na semana que antecedia a menstruação. Vivi numa condição muito desumana.

Nesse ínterim, de dor e constrangimento, onde todos que estavam à minha volta conheciam meu calendário de ciclo menstrual, ainda tive uma crise de hérnia de disco, terrível, de ficar travada, internada, sem andar, mas acredito que algumas dificuldades nos são permitidas para nos iluminar e fortalecer.

Essa crise foi um divisor de águas, pois através dela conheci meu

Kelly e o marido, Newton, aos 8 meses de gestação, à espera da primogênita, Manuela

 supercompetente fisioterapeuta, Gregório Araújo, que após alguns meses de atendimento, alicando seus conhecimentos na área da osteopatia, me alertou para o fato de que as minhas dores da região sacral não estavam ligadas a minha hérnia discal lombar.

Segundo ele essas dores eram alguma patologia de ordem visceral e me encorajou a buscar ajuda de um ginecologista ou proctologista, pois aparentemente estava ligado ao útero, aos ovários e ao intestino.

A partir de então comecei a pesquisar sobre possíveis causas das dores e cheguei à palavra endometriose.  Foi neste busca que encontrei o blog A Endometriose e Eu. Li várias postagens, muitas histórias das leitoras com as quais me identificava, e as leituras muito me esclareceram a respeito da doença.

Com todas as preciosas informações nas mãos, restava agora mais um desafio: encontrar um médico que acreditasse nos meus sintomas e estivesse interessado em investigar. Passei por vários médicos, homens e mulheres, e alguns pareciam sequer acreditar que eu sentisse tanta dor.

Até que em 2014, aos 29 anos, cheguei à clínica do doutor Ricardo – a quem costumo me referir como instrumento de Deus aqui na Terra – alguém que me fez ter novamente esperança. Na primeira consulta, com os dados clínicos (mais de uma hora de conversa), ele deixou bem claro que eu tinha todos os sinais da doença.

Fiz os exames que existiam na época na minha cidade e todos deram negativos. Mesmo assim, diante da dificuldade em engravidar e de todos os outros sintomas, seguimos para a videolaparoscopia, o que para mim era o fio de esperança, pois já havia perdido qualidade de vida há muito tempo.

Durante as consultas o doutor Ricardo deixou bem claro qual linha de pesquisa e trabalho ele seguia. Ele é adepto à teoria de que a retirada bem feita de todos os focos é a cura da doença e que um risco de um “retorno” da doença só existe quando os focos não são totalmente retirados.

Desta forma, diante de toda sua atenção às minhas queixas e toda sua experiência na área, decidimos confiar e seguir em frente (foi uma das melhores decisões da minha vida).

Foi também nesta época, final de 2013 e início de 2014, que me cadastrei pela primeira vez no blog A Endometrisoe e Eu como voluntária para a EndoMarcha. Entretanto, aqui no Paraná, a marcha aconteceria apenas na capital, Curitiba, cerca de 400 km de distância de minha cidade, e eu estava com a cirurgia pré-agendada para fevereiro e não poderia ir.

Eu estava tão “entusiasmada” e ao mesmo tempo inconformada por ter demorado tanto tempo para chegar num diagnóstico correto, que entrei em contato com a Caroline para trazer a marcha para Londrina.

Para mim, quanto mais mulheres tivessem acesso às informações teriam mais chance de serem diagnosticadas mais rápido, além de chamar mais atenção para implementação de políticas públicas. E assim foi que, a partir de 2015 passei a ser coordenadora da Endomarcha Londrina.

Em junho de 2014 realizamos a videolaparoscopia que foi muito bem sucedida. Foram retirados focos entre o útero e a bexiga, o apêndice e um foco de endometriose profunda (grau IV) na região vaginal, além da liberação de todas as aderências no intestino.

Para a nossa felicidade, em outubro do mesmo ano, ou seja, quatro meses depois, era concebida – naturalmente – nossa primogênita, Manuela. Foi muito rápido. Mal podíamos acreditar.

Um verdadeiro milagre que chegou aos nossos braços no dia 28 de julho de 2015. Só nosso parto que foi um pouquinho demorado. Após dezoito horas de trabalho de parto, acabei me cansando e solicitei a cesariana.

Manuela, Newton e Kelly no chá de bebê de Felipe

Não parou por aí! Devido à retirada total do foco profundo próximo ao colo do útero, as dores nas relações sexuais diminuíram bastante e aquelas que antecediam às minhas menstruações foram embora.

Esses fatores me deram qualidade de vida e fortaleceram minha autoestima, pois era muito constrangedor apresentar atestado médico no trabalho praticamente todo mês e ainda reclamar de dor o tempo todo. Chega uma hora que parece que as pessoas ao nosso redor já não acreditam mais.  

E como aquilo que está bom sempre pode melhorar (hehehehe… até otimista me tornei), em março de 2018, quando nossa filha, Manuela, estava apenas com 1 ano e 8 meses concebemos – mais uma vez naturalmente – nossa segunda herança.

Em 09 de dezembro de 2017 nasceu nosso príncipe amado chamado Felipe. Essa gravidez não foi muito planejada, nós queríamos sim mais um filho, mas naquele momento não a planejamos.

A alegria de Manuela com o irmão no colo

Mais uma vez foi muito rápido, apenas um ciclo após a suspensão do anticoncepcional eu engravidei. Sua chegada foi tão rápida quanto sua concepção.

Nessa gestação me preparei bastante para o meu tão sonhado parto normal e posso dizer que o Felipinho ajudou bastante. Passou toda a madrugada trabalhando nas contrações, na manhã seguinte, quando já estava com bastante dor me internei.

Era 09h da manhã quando dei entrada no hospital, e ele chegou às 11h16, num lindo e maravilhoso parto natural, Foi um parto muito rápido, e muito lindo!

O que posso dizer é que com toda certeza, no quesito fertilidade e qualidade de vida, a cirurgia foi um sucesso. Sei que há algumas vertentes que defendem que a endometriose é uma doença crônica e sem cura. Há ainda quem afirme categoricamente que ela sempre volta, e que nem sempre uma única cirurgia é suficiente ou que não há como fugir dos caros tratamentos hormonais.

Porém estou aqui para falar a todas vocês que eu me sinto curada sim. Desde minha primeira e única cirurgia não tive mais cólicas como as que tinha antes, muito menos a dor pélvica e abdominal 20 dias por mês.

Também não tive mais nenhuma infecção urinária – nem na gestação eu tive -, ou até mesmo aquela dor terrível no momento da relação sexual. 

Acredito que devo tudo isso primeiramente a Deus, que me guiou para os lugares certos, mas com certeza ao médico e tipo de tratamento no qual resolvi acreditar, ou seja, a retirada total dos focos baseada na teoria Mulleriana.

Termino o meu relato incentivando todas às endomulheres a não perderem esperança. Eu procurei o tratamento para qualidade de vida sim, mas na época os exames hormonais mostravam que eu estava totalmente infértil. E, para nossa alegria, Deus nos presenteou com esses filhos maravilhosos.

E, como estamos em março, não poderia deixar de estender o pedido de esperança para perseverança e luta. Sim, nós somos guerreiras contra dor, contra o preconceito, então vamos guerrear mais um pouquinho contra a falta de informação e de apoio à nossa causa.

Vamos endomarchar no próximo dia 24 de março. Algumas pessoas me perguntam como eu tenho coragem de continuar com tudo isso, mesmo com dois filhos pequenos?

Minha resposta é que acho ser o mínimo que posso fazer, levar a informação, chamar os olhos de quem pode fazer algo por mulheres que muitas vezes sofrem caladas enquanto esperam seus tratamentos na fila do SUS. Se apenas uma londrinense for alcançada pela informação que levaremos, então já estarei realizada. 

Espero que meu testemunho ajude muitas endomulheres a buscarem o tratamento correto. Busquem informação e se precisar pedem ajuda. Não sofram caladas. Deus abençoe cada uma de vocês e os endomaridos/companheiros que acompanha cada uma de nós nesta jornada.Beijo carinhoso, Kelly”.

Fotos: Arquivo Pessoal

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