Quando falamos em endometriose, não tem jeito, a primeira coisa que vem à cabeça da mulher ou de qualquer outra pessoa é a questão da tão temida infertilidade.
Já falamos muito no A Endometriose e Eu que a doença não é sinônimo de infertilidade. Mas há ainda muita desinformação sobre a endometriose e a fertilidade das mulheres com endometriose.
Para esclarecer mais sobre o assunto, o doutor Alysson Zanatta escreveu o texto “Aconselhamento reprodutivo à mulher com endometriose”, que vai sanar as dúvidas de quem tem a doença e ainda deseja ter filhos.
O texto será dividido em duas partes para que haja melhor entendimento. Como o doutor Alysson diz no texto: “a doença pode estar relacionada à subfertilidade, mas não à infertilidade absoluta”.
Leia o texto com bastante atenção e você verá que o mais importante é a endomulher ser acompanhada por um especialista que entende sobre as múltiplas facetas da endometriose. Um ponto importante do texto é sobre a taxa mensal de fertilidade da portadora.
Se a endomulher estiver “em boas mãos”, principalmente, se o caso for cirúrgico – é importante realiza-la por excisão e com quem conhece e reconhece todas as manifestações da doença – a maioria das portadoras consegue engravidar naturalmente após a cirurgia.
Além do tratamento completo, é muito importante a endomulher manter a fé e nunca desistir de nossos sonhos. Beijo carinhoso! Caroline Salazar
Por doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar
Aconselhamento reprodutivo à mulher com endometriose – parte 1:
Regra geral, as mulheres preocupam-se com a sua fertilidade. Preocupam-se com o seu potencial reprodutivo, com a sua preservação e com a idade máxima que poderão gestar, ainda que porventura não tenham decidido se o tentarão algum dia.
E, para a mulher com endometriose, essa preocupação poderá ser ainda maior.
Quais as chances de gestação natural com endometriose?
A endometriose costuma estar associada à subfertilidade, ao invés de uma infertilidade absoluta. Isso significa dizer que a portadora não necessariamente precisará de tratamento para engravidar, mas que a gravidez pode demorar mais para acontecer ou não acontecer naturalmente, conforme o caso.
Entendamos: a fecundidade de um casal significa as chances daquele casal de conseguir engravidar, mês a mês ou durante um período de um ano, por exemplo, de acordo com a idade.
Sabemos que as mulheres com endometriose podem ter sua fecundidade reduzida em todas as faixas etárias (1), mesmo as mais jovens, e mesmo aquelas com formas mais leves da doença.
Em geral, a taxa de fecundidade mensal da mulher com endometriose é de 5-10%, comparada a 20-25% da população geral (2).
Certamente, haverá entre essas mulheres aquelas com maiores ou menores chances de engravidar, dependendo, principalmente, da sua idade e do grau de extensão da doença.
… a endometriose costuma estar associada à subfertilidade, ao invés de uma infertilidade absoluta. Isso significa dizer que ela não necessariamente precisará de tratamento para engravidar, mas que a gravidez pode demorar mais para acontecer, ou não acontecer naturalmente, conforme o caso…
Estima-se que mulheres inférteis (aquelas que não conseguiram engravidar naturalmente após pelo menos um ano de tentativa) que têm endometriose leve e que não são tratadas, teriam apenas 35% de chances de engravidar espontaneamente dentro de 3 anos após o diagnóstico (3).
Da mesma forma, estima-se que, ao mês, apenas 3% das mulheres com endometriose severa conseguem engravidar naturalmente. A dificuldade para engravidar pode surgir de vários fatores, como:
a) o transporte ovular deficitário;
b) uma qualidade inferior dos óvulos,
c) um ambiente inflamatório proporcionado pela endometriose que dificulta a fecundação;
d) por uma redução nas taxas de implantação uterina.
Assim, podemos afirmar às mulheres que têm endometriose que suas chances de engravidar podem estar reduzidas em relação à população geral, mas que a gravidez é possível dentro de um contexto de idade e grau da doença.
E mais importante: jamais devemos dizer que não ocorrerá a gestação, mesmo em situações de idade avançada e/ou doença extensa. Não raramente nos “surpreendemos” com gestações consideradas pouco prováveis.
… assim, podemos afirmar às mulheres que têm endometriose que suas chances de engravidar podem estar reduzidas em relação à população geral, mas que a gravidez é possível dentro de um contexto de idade e grau da doença…
Não conseguimos prever com exatidão quais mulheres com endometriose terão dificuldades para engravidar
Sabemos que até metade de todas as mulheres com endometriose pode ter dificuldade para engravidar. A outra metade engravida naturalmente, sem qualquer tratamento.
Seria fantástico se pudéssemos prever com exatidão quais as mulheres que teriam dificuldades no futuro e as aconselharmos a tomar medidas ainda no presente para evitarem que isso acontecesse. Porém, isso ainda não é possível.
Entretanto, podemos estimar as chances de gravidez natural daquelas mulheres inférteis que são submetidas à cirurgia para engravidarem, a partir dos achados cirúrgicos e de seu histórico passado.
Uma gestação no passado e uma idade menor que 35 anos são dados positivos que favorecem uma gravidez natural.
Por outro lado, trompas uterinas e ovários com grandes distorções são fatores negativos, mesmo após a remoção de outras lesões de endometriose.
… sabemos que até metade de todas as mulheres com endometriose pode ter dificuldade para engravidar. A outra metade engravida naturalmente, sem qualquer tratamento…
Vejamos exemplos nos dois extremos: uma mulher que tenha menos de 35 anos de idade, com endometriose leve devidamente tratada por cirurgia, e que não tenha qualquer alteração tubaria ou ovariana, terá até 80% de chances de gestação espontânea em até três anos após o procedimento.
Já uma mulher acima dos 40 anos e com endometriose severa, mesmo que tratada adequadamente, terá menos de 10% de chances de gestação espontânea durante este mesmo período (4).
Uma parcela significativa de mulheres inférteis com endometriose situa-se entre esses dois extremos de idade e extensão da doença.
Caberá a nós, médicos, avaliarmos individualmente cada mulher para uma decisão conjunta sobre a melhor forma de tratamento.
O uso de pílulas anticoncepcionais não é suficiente para a preservação da fertilidade
Enquanto não houver o desejo de gestação, o uso de pílulas anticoncepcionais (que provoquem ou não a suspensão da menstruação) não altera a história natural da doença. Isso significa que elas não evitam o surgimento de novos focos ou de doença avançada, mesmo que sejam utilizadas por longos períodos (5).
Prova disso é que a maioria das mulheres diagnosticadas com endometriose por volta dos 30 anos de idade refere o uso de pílulas por muitos anos, muitas vezes desde a adolescência.
Se as pílulas fossem efetivas, elas não chegariam à essa idade com a endometriose eventualmente avançada.
Ou seja, ao aconselharmos o uso de pílulas anticoncepcionais, devemos destacar que estamos proporcionando um controle dos sintomas de dor, mas que não há efeito direto (positivo ou negativo) sobre a doença em si.
… ao aconselharmos o uso de pílulas anticoncepcionais, devemos destacar que estamos proporcionando um controle dos sintomas de dor, mas que não há efeito direto (positivo ou negativo) sobre a doença em si…
Referências Bibliográficas:
- Ventolini G, Horowitz GM, Long R. Endometriosis in adolescence: a long-term follow-up fecundability assessment. Reprod Biol Endocrinol. 2005; 3:14.
- Haney AF. Endometriosis-associated infertility. Baillieres Clin Obstet Gynaecol. 1993; 7:791-812.
- Akande VA, Hunt LP, Cahill DJ, Jenkins JM. Differences in time to natural conception between women with unexplained infertility and infertile women with minor endometriosis. Hum Reprod. 2004; 19:96-103.
- Adamson GD, Pasta DJ. Endometriosis fertility index: the new, validated endometriosis staging system. Fertil Steril. 2010; 94:1609-1615.
- Chapron C, Souza C, Borghese B, et al. Oral contraceptives and endometriosis: the past use of oral contraceptives for treating severe primary dysmenorrhea is associated with endometriosis, especially deep infiltrating endometriosis. Hum Reprod. 2011; 26:2028-2035.
Imagem cedida por doutor Alysson Zanatta
Texto publicado no blogspot no dia 25 de fevereiro de 2015