Por Caroline Salazar
Edição: doutor Alysson Zanatta
Meu texto do mês de maio é destinado às mamães de meninas! Isso mesmo, tanto mamães portadoras de endometriose quanto as não portadoras. Apesar de parentes de 1º grau de uma portadora ter sete vezes mais chances de desenvolver a doença, não podemos afirmar que a doença seja hereditária.
Pois não necessariamente a filha de uma portadora terá a doença, ela apenas está muito mais propensa a tê-la, mas isso não é uma regra. Porém o meu texto não é para falar disso, mas sim para alertar as mamães a prestarem atenção em suas filhas. Ou melhor, no corpo delas. Afinal, nosso corpo fala e reage em forma de dor.
Qual a idade ideal para levar a menina ao ginecologista? A meu ver a primeira consulta seria a partir da menarca (a primeira menstruação) ou até antes, mas não é isso que acontece. Muitas só se dão conta desta obrigação após a filha perder a virgindade. Outras nem pensam nisso tão cedo. Ainda no século 21 isso soa como um tabu.
Essa questão foi levantada pela minha querida Layane, que é portadora da doença e tem 6 filhos (5 meninos e uma menina), e coordenadora da EndoMarcha em Feira de Santana, na audiência pública que participei em Salvador no dia 8 de maio.
Na semana seguinte me deparo com o tema bem próximo de mim. Uma colega do funcional chegou reclamando de cólica e de um inchaço no abdômen. Eu já tinha a pulga atrás da orelha, pois certa vez ela disse que a filha de 17 anos tem muita cólica ao ponto de quase desmaiar de dor. E outro detalhe: uma amiga da filha foi diagnosticada com a doença e sofre horrores.
Bom, não é novidade para ninguém o meu trabalho, ainda mais porque a convidei para participar da EndoMarcha 2018. Aí eu a questionei porque ela não vai a um especialista e leva a filha junto. A resposta é a mesma de sempre: eu marquei meu ginecologista para semana que vem, mas minha filha não quer ir.
Eu questionei as duas respostas. Falei que se o ginecologista que a trata há 17 anos nunca desconfiou de endometriose, possivelmente ele não sabe muito da doença, e muito menos é um especialista em endometriose.
Em relação à filha falei que não podemos obrigá-la a ir, mas a mãe é a responsável pela saúde da adolescente e que nós, como mães, devemos mostrar como é importante se cuidar. Também temos de conversar sobre a importância da consulta anual com o (a) ginecologista, e como essa especialidade é essencial no cuidado da saúde da mulher.
Já ouvi de alguns especialistas que a menina deve ser levada ao ginecologista antes mesmo da primeira menstruação, mas desde que já tenha os sinais da puberdade. Isso porque, embora todos saibamos da importância de conversas francas com as filhas, essas muitas vezes têm vergonha, e é importante ter um profissional em quem mãe e filha confiem e que possa aconselhar e tirar dúvidas.
Daí o objetivo da recomendação de levar a menina ao ginecologista antes mesmo da menarca: criar uma relação de confiança entre a menina e o médico. Embora a tendência seja levar ao mesmo médico da mãe, o ideal é que isso não seja imposto.
Por vezes, a menina pode achar que não terá o sigilo necessário (embora isso seja obrigação por ética médica) ou preferir uma profissional mais jovem ou mulher, entre outros fatores. A conversa é sempre a melhor opção.
Na dúvida, marque uma consulta e você, mãe, pai, avó, avô ou responsável pela menina, vá sozinho e converse com o ginecologista. Questione como será a consulta, o que acontece e tire todas as suas dúvidas. O comum é que na primeira consulta o ginecologista não faça exames de toques, exames nas mesmas, mas, se necessário, apenas um ultrassom pélvico (aquele por cima da barriga e nada invasivo).
Na primeira consulta com menina, entre junto e passe confiança. A primeira parte é a anamnese, ou seja, o médico irá questionar o histórico. Depois, é importante que saia e a deixe sozinha para que ela possa conversar mais a vontade e tirar suas dúvidas. Nas próximas consultas, não entre no consultório junto com a menina, a menos que ela lhe peça isso.
Tomando esses cuidados, a menina terá no ginecologista mais do que um médico, um amigo e verá as consultas como um procedimento normal, sem traumas. Quando e se precisar de um exame mais aprofundado, não será estranho. Tenho amigas que só foram ao ginecologista quando estavam com cólicas extremamente fortes e sua primeira consulta foi em posição ginecológica. Imagina o susto? Não é muito melhor ter apenas a conversa em um momento inicial?
Precisamos tirar o mito de que ginecologista é apenas para quem não é mais virgem. Precisamos tirar o mito que período menstrual deve ser doloroso e sofrido para a mulher. Principalmente quando se trata de meninas e pré-adolescentes. Costumo dizer em minhas palestras que o período menstrual deve ser sem dor e tão feliz como todos os outros.
Não podemos deixar mais nenhuma geração de meninas sofrer. Precisamos salvar a atual nova geração e as outras que irão surgir. Não podemos deixá-las sofrer por conta da falta de informação.
Eu, como portadora ou ex-portadora (como o doutor Alysson Zanatta gosta de me chamar), principal ativista brasileira na causa endometriose e mamãe de uma menina tenho de levantar essa bandeira: mamães levem suas filhas ao ginecologista assim que elas menstruarem pela primeira vez ou mesmo antes.
Mamães de meninas muito atenção! Reparem como está sendo o período menstrual de sua filha. Não a deixe sofrer sem necessidade. Eu sofri toda minha adolescência, toda parte de uma vida que não terá volta. Foram 21 anos de dores severas, 18 sem saber o que eu tinha.
Prestes a completar 40 anos, até hoje passei mais da metade da minha vida com dores, a maior parte com dores incapacitantes. Precisamos salvar as novas gerações de meninas. Cólica forte não é “mimimi”.
A cólica aceitável é aquela que melhora com um analgésico simples e ainda assim precisa de atenção. Não é certo se entupir de remédios e muito menos achar normal tomar caixas e caixas de analgésicos e se não melhorar ir pra morfina.
Não é normal desmaiar de dor, muito menos vomitar, sentir tontura, dor na lombar, ter inchaço abdominal durante a menstruação e não conseguir fazer suas atividades do dia a dia, como ter de ir embora da escola ou faculdade ou ter de ser levada às pressas ao pronto-socorro.
Mesmo sendo repetitiva, falo mais uma vez: não é normal ter dores fortes no período menstrual. Se você conhece alguma menina que passa por isso, fale para ela a palavra endometriose. Fale para ela questionar seu ginecologista.
Sei que muitas pessoas até não gostam que a gente fale, alegando que estamos querendo dar doença a elas (pasme, mas eu já escutei muito isso). É muita ignorância, mas entre falar e tentar ajudar ou ficar com a consciência pesada eu prefiro a primeira opção.
De uma coisa tenho certeza: independente se minha filha tiver os primeiros sintomas já na menarca, ou até antes, vou levá-la ao ginecologista. Não quero nem pensar em ver meu bem mais precioso, o anjo que Deus me presenteou para eu cuidar aqui na Terra, sofrer num período que deve ser feliz.
Nota do editor: a Caroline aborda neste ótimo texto a importância da valorização dos sintomas (cólica menstrual forte, dores pélvicas) nas crianças e adolescentes, como uma maneira efetiva de diagnóstico precoce da endometriose.
Quase todas as mulheres que tenho a oportunidade de atender, a maioria entre 30 a 40 anos, relatam cólicas menstruais fortes na adolescência. Quando recebem o diagnóstico, há um misto de alegria (por finalmente encontrarem uma explicação para suas cólicas) e frustração (por não terem sido diagnosticadas previamente.
Como há limitação ao exame clínico em adolescentes que ainda não iniciaram a vida sexual, e como os exames de imagem (ultrassonografia pélvica, ressonância magnética) mostram resultados mais limitados nesta fase, a endometriose pode ser diagnosticada em bases clínicas (sinais e sintomas), e esta jovem deverá ser acompanhada e tratada como tal, até a confirmação (ou exclusão) da doença com o passar dos anos.
Na verdade, não há muitas outras doenças ginecológicas capazes de causarem cólicas menstruais debilitantes na adolescência, exceto talvez as raras malformações ginecológicas.
Assim, frente a uma adolescente com cólicas progressivas, de difícil controle com analgésicos, e acompanhada de sinais vagais (náusea, hipotensão), consideraremos endometriose como a causa mais provável.
Com diagnóstico e acompanhamento precoces, conseguimos melhorar a qualidade de vida das adolescentes, e evitarmos formas mais graves no futuro.
Fonte imagem: DepositPhoto/ Caroline Salazar