Você é daquelas mulheres que dorme poucas horas por dia, ou tem o sono picado que atrapalha a fase profunda? Você sabia que a dor pélvica é a responsável por alterações do sono em cerca de 80% das mulheres?
Pois é, a insônia e a má qualidade do sono atingem cerca de 50% das mulheres que sofrem com a dor crônica. Esses distúrbios são os vilões que fazem essas mulheres a experimentarem sensação de terem ainda mais dor.
Você sabia que até mesmo aquelas que não tem a dor pélvica crônica, mas que dormem mal, especialmente as que não têm a fase profunda do sono corretamente, impacta negativamente na percepção de dor? Então, é melhor começar a rever seus conceitos sobre como manter uma boa noite de sono.
Bom, eu sou uma dessas pessoas que quase não dorme. Infelizmente a insônia é uma das minha sequelas da época que sofri mais de 20 anos com dor pélvica crônica e que tomava remédios fortíssimos para dor.
E, mesmo já estando 6 anos curada – leia o texto “Meu testemunho: 6 anos da minha cura e o início de uma nova vida” -, eu ainda não consegui arrumar minha noite de sono. Até porque é justamente na madrugada meu horário mais produtivo de trabalho.
O doutor Tomyo Arazawa explica como as alterações do sono mexem com as sensações de dor e dá dicas de como manter uma boa noite de sono de forma saudável. Eu já vou, ao menos, tentar praticar algumas delas, e você? Beijo carinhoso! Caroline Salazar
Por doutor Tomyo Arazawa
Edição: Caroline Salazar
Dor pélvica e alterações do sono
A dor pélvica é um sintoma que pode literalmente tirar o sono de muitas mulheres. Estudos estimam que até 80% das mulheres que sofrem de dor pélvica crônica têm alterações do sono (1).
E porque isso acontece? Qual a relação entre alterações do sono e dor? É possível melhorar?
Neste texto revisamos a literatura médica para trazer informações a respeito desse tema!
Relação entre alterações do sono e dor:
Pelo menos 50% das pessoas que têm insônia sofrem de dor crônica (2). Diversos estudos já mostraram a associação de distúrbios de sono, especialmente a insônia, com o aumento da sensação de dor.
Mesmo em pessoas saudáveis, sem nenhuma doença ou problema de saúde, a má qualidade de sono impacta negativamente na percepção de dor.
Outros estudos mostram que pessoas com insônia têm muito mais chance de desenvolver quadros de dor crônica após 10 anos, como fibromialgia, do que aquelas pessoas com boa qualidade de sono (3).
Resumindo, quadros de alterações do sono, especialmente insônia, são capazes de aumentar a intensidade de uma dor já estabelecida, desencadear novos episódios de dor, além de ser fator de risco para aparecimento de novos quadros de dor a longo prazo.
Relação entre dor e alterações do sono:
Quem sofre com mais dor, como consequência pode ter mais alterações de sono? Sim, principalmente se as dores forem muito intensas e mais agudas. Mas, a relação da dor gerar alterações do sono é mais fraca do que as alterações do sono gerar mais dor.
Estudos Experimentais:
Um estudo com pessoas saudáveis mostrou que a privação de apenas 4 horas de sono por dois dias consecutivos foi suficiente para essas pessoas reportar quadro de dor em algum lugar no corpo. E isso tende a aumentar conforme o número de noites com sono parcial aumenta (4).
Esse mesmo efeito foi visto em outro estudo, que comparou pessoas saudáveis com pacientes com artrite reumatoide, doença que costuma causar muitas dores em articulações. Somente um dia de privação parcial de sono foi suficiente para que esses pacientes com artrite terem um aumento da sensação de dor, fadiga, depressão e ansiedade. Esse efeito não foi observado nas pessoas saudáveis que participaram do estudo (5).
Mas porque as alterações do sono provocam o aumento da dor?
No nosso corpo temos um sistema de nervos sensoriais que leva o sinal de dor ao nosso cérebro, mostrando onde no nosso corpo onde a dor está.
Mas além disso, também há um mecanismo no nosso cérebro que, ao receber esse sinal do nosso corpo, irá mandar outro na sequência, dizendo que a dor não é tão intensa assim. É o que chamamos de sistema inibitório da dor (6).
Outro mecanismo em estudo é a associação do sono com a produção de um neurotransmissor chamado Dopamina. A Dopamina é o principal neurotransmissor associado ao bem-estar.
Estudos já mostraram que pacientes com dor crônica têm menor quantidade desse neurotransmissor. Mas ainda não está claro se a privação do sono também influencia na menor produção da Dopamina.
O que fazer para melhorar a qualidade do sono:
Se você se identificou com o problema de ter dor pélvica crônica, ou qualquer tipo de dor, e considera que tenha uma má qualidade de sono, uma das primeiras medidas para impactar positivamente a sensação de dor é melhorar seu sono. Então segue algumas dicas práticas para fazer uma higiene do sono:
1- Reduza estímulos: evite uso de celular, tablets, ou assistir TV logo antes de deitar. Estímulos visuais, em excesso vão deixar seu cérebro funcionando em ritmo acelerado, em uma hora que ele precisa desacelerar.
2- Estabeleça uma rotina pré-sono: procure, sempre que possível, ter o mesmo ritual antes de se deitar, e deitar sempre no mesmo horário. Por exemplo: desligue a TV uma hora antes de deitar, deixe o celular carregando longe da cama, abaixe a intensidade da luz do quarto, leia um livro. Ao estabelecer uma rotina, seu cérebro irá entender que você está se preparando para dormir, e ele ficará condicionado a desacelerar com essa rotina.
3- Evite cafeína: tomar bebidas estimulantes como café, chás e energéticos no período da tarde com menos de 6 horas do horário do sono altera a qualidade do sono. Mesmo quem consegue dormir pela quantidade de horas habituais, pode apresentar uma piora da qualidade do sono, com menor quantidade da fase profunda do sono, que é a mais importante.
4- Evite nicotina: o cigarro, assim como a cafeína, tem ação estimuladora sobre o nosso cérebro. Isso pode impactar em uma qualidade do sono de pior qualidade, menos restauradora, principalmente em pessoas com alto consumo de cigarro.
5- Pratique atividades esportivas regularmente: a prática de atividades esportivas faz nosso cérebro produzir neurotransmissores, que inclui a Dopamina. O cansaço físico e o bem-estar vão melhorar a qualidade do seu sono. A preferência é de realizar a atividade esportiva 4 a 8 horas antes da hora de dormir para obter o maior benefício.
6- Manejo do estresse: pratique atividades de relaxamento, como meditação por exemplo. O estresse crônico faz o nosso corpo liberar substâncias estimulantes, como adrenalina, que atrapalha a qualidade do sono.
7- Redução do barulho e de luz no quarto: procure reduzir as fontes de barulho e de luz no cômodo em que você costuma dormir. Luz e som são estimulantes cerebrais, e o excesso desses fatores vão dificultar que o sono chegue a fases mais profundas, ou podem causar micro-despertares ao longo da noite. Ou seja, a qualidade do seu sono será pior!
Essas dicas podem te ajudar a melhorar a qualidade do sono. Mas para algumas pessoas não é o suficiente, e um acompanhamento com especialista em sono pode ser necessária, especialmente em casos de insônia mais severa, ou mesmo outras alterações do sono como a apnéia.
Alterações da qualidade do sono não estão associadas somente com quadros de dor, mas também é fator de risco para diversos outros problemas de saúde, como obesidade, diabetes e hipertensão.
Essas doenças são as principais causas de complicações cardíacas, que hoje é a principal causa de mortalidade na população no Brasil. Portanto, cuidar da qualidade do seu sono é cuidar da sua saúde e do seu bem estar!
Referências:
- Cosar E, et al. Sleep disturbance among women with chronic pelvic pain. In J Gynecol Obstet, 2014.
- Taylor DJ, Mallory LJ, Lichstein KL, Durrence HH, Riedel BW, Bush AJ: Comorbidity of chronic insomnia with medical problems. Sleep 30:213-218, 2007.
- Mork PJ, Nilsen TI: Sleep problems and risk of fibromyalgia: Longitudinal data on an adult female population in Norway. Arthritis Rheum 64: 281-284, 2012.
- Haack M, Mullington JM: Susteined sleep restriction reduces emotional and physical well-being. Pain 119: 56-64, 2005.
- Irwin MR, Olmstead R, Carrillo C, Sadehi N, Fitzgerald JD, Ranganath VK, NIcassio PM: Sleep loss exacerbates fatigue, depression, and pain in rheumatoid artritis. Sleep 35: 537, 2012.
- Edwards RR, Grace E, Peterson S, Klick B, Smith MT: Sleep continuity and architecture: Associations with pain-inhibitory processes in patients with temporomandibular joint disorder. Eu J Pain 13:1043-1047, 2009.
- The role of sleep hygiene in promoting public health: a review of empirical evidence. Sleep Medicine Reviews, 2014.
Fonte imagem: Deposit Photos/ Caroline Salazar
Sobre o doutor Tomyo Arazawa:
Médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), doutor Tomyo Arazawa fez sua Residência Médica e especialização em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital das Clínicas da FMUSP. Foi o Preceptor de Ginecologia da FMUSP e se especializou em cirurgias minimamente invasivas (Endoscopia Ginecológica) também no Hospital das Clínicas da FMUSP, tais como cirurgias laparoscópicas, histeroscópicas e cirurgias robóticas.
Tem título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia e em Endoscopia Ginecológica, ambas pela FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia). É membro da Sociedade Paulista de Ginecologia e Obstetrícia (SOGESP), da American Association of Gynecologic Laparoscopists (AAGL) e da International Pelvic Pain Society (IPPS).