Infertilidade e Planejamento familiar: Você sabe quais são seus direitos?

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Continuando os textos especiais do Mês Mundial de Conscientização da Infertilidade, que teve como pontapé inicial a campanha “Vamos falar sobre a EndoInfertilidade”, você sabe qual o direito de uma pessoa que é infértil?

Como falei no texto “Infertilidade Primária x Secundária” faz tempo que quero abordar a questão do direito ao planejamento familiar e o direito reprodutivo na infertilidade no A Endometriose e Eu, mas é um tema que precisa de um  advogado, e eu adoraria que fosse uma mulher, especializada e que trabalhe com essa realidade.

Não só encontrei, como ela já é do nosso time e será uma das coordenadoras da EndoMarcha Time Brasil, que anunciarei nas próximas semanas, e ela defende veemente o que está em nossa Constituição Federal.

Você sabia que é um direito seu ter planejamento familiar? Que o Estado tem o dever de oferecer esse tratamento? Que o plano de saúde que você paga suado todo mês também têm que oferecer tratamento quando comprovada a infertilidade pelo CID?

Você, mulher ou homem, que está vivenciando a infertilidade hoje, você sabe qual seu direito? Então, leia e compartilhe mais um texto exclusivo do A Endometriose e Eu e ajude-nos e levar mais conscientização sobre a infertilidade e seus direitos. Beijo carinhoso! Caroline Salazar 

Por Milena Bassani, advogada especializada em Direito Médico e Saúde da Mulher 
Edição: Caroline Salazar

Infertilidade e Planejamento familiar: Você sabe quais são seus direitos?

Falar sobre os direitos inerentes à saúde é sempre complexo, quando, na verdade, não deveria ser, pois a Constituição Federal traz a saúde não só como um direito fundamental, mas também garante seu acesso de forma irrestrita a todos os cidadãos.

Porém, na prática, esse acesso não existe. E quando trazemos esses direitos para à saúde da mulher é que se torna ainda mais difícil garantir que o atendimento seja célere e eficaz.

As mulheres vivem uma verdadeira violência institucional peregrinando entre hospitais e clínicas vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) para conseguir consultas com médicos especializados, exames e tratamentos que necessitam.

E se para confirmar o diagnóstico de endometriose temos uma média de sete a 10 anos, imagine para tratar a infertilidade que, supostamente, não está relacionada ao risco de vida?

A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a infertilidade um problema de saúde global e, por ser entendida como um problema meramente biológico, há a recomendação para que todos os países se adequem às novas técnicas para seu tratamento, por meio da inseminação artificial, fertilização in vitro, ovodoação etc.

Todas estas técnicas são enquadradas como formas de planejamento familiar, que é o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.

No Brasil, existe legislação que garante o acesso às técnicas, como é o caso da Lei de Planejamento Familiar – 9.263/96, a própria Constituição Federal e a Lei de Plano de Saúde – 9.656/98.

Então, para que você, leitor do blog A Endometriose e Eu, saiba quais são os seus direitos, vamos falar sobre alguns pontos importantes destas leis.

A lei base do nosso país é a Constituição Federal, que traz o direito à dignidade da pessoa humana e parentalidade responsável, sendo proibido ao Estado qualquer tipo de controle ou interferência no exercício desse direito por parte de instituições oficiais ou privadas.

Segundo preconiza o artigo 226, §7º, como também garante que o Estado promova ações para garantir destes direitos, seja mediante políticas públicas ou privada.

Com isso, muitas cidades já têm centros de reprodução humana vinculados ao SUS. Mas, caso sua cidade não tenha este centro, você pode requerer que o Estado custeie seu tratamento em clínica particular.

Para isso é necessário um relatório do seu médico, onde deverá constar a causa de sua infertilidade, indicação da técnica a ser utilizada e o orçamento da clínica de reprodução assistida e dos medicamentos a serem utilizados no processo de reprodução.

Lembrando que os medicamentos a serem utilizados na reprodução assistida devem ser fornecidos pelo Estado, por meio de suas farmácias.

Infelizmente, o Estado embasa a negativa de custeio, devido ao alto custo do tratamento, que pode ultrapassar R$30 mil por cada tentativa.

Partindo para esfera privada dos planos de saúde, a obrigação também existe. E esta é a minha visão e interpretação da lei, mesmo o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidindo de forma diversa[1], como aconteceu poucas semanas atrás.

O que acontece é que as grandes operadoras se negam a custear o tratamento de fertilização in vitro, por entender que existe previsão de exclusão contratual expressa no contrato, trazendo a cláusula que exclui a cobertura para inseminação artificial como analogia.

O que não pode ser aceito pelos beneficiários, pois além de serem duas técnicas de reprodução diferentes[2], a cláusula que exclui a inseminação artificial é redigida de forma muito técnica, não ficando claro ao consumidor o que ali está sendo excluído.

Isso fere o Código de Defesa do Consumidor no artigo 54, do qual determina que nos contratos de adesão as cláusulas devem ser claras ao consumidor, principalmente no que tange a limitação de direitos.

A Lei de planos de saúde, Lei nº 9.656/98, é taxativa no artigo 35-C, III, afirmando que é de cobertura obrigatória o atendimento para os casos de planejamento familiar, inserindo-se nesse inciso, ao nosso ver, todas as técnicas de reprodução medicamente assistidas.

Temos ainda, na mesma lei e nos próprios contratos, que é de cobertura obrigatória todas as doenças inseridas no CID-10, estando a infertilidade devidamente classificada com CID-10 N97 para infertilidade feminina e N46 para masculina, sendo, portanto, de cobertura obrigatória.

A Resolução Normativa 428/2017 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem também o planejamento familiar “como conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal, o que nos impede de interpretar de forma diferente qualquer enunciado que impeça a cobertura para tratamento de infertilidade.

Esta mesma resolução dispõe de rol de procedimentos e eventos em saúde de cobertura mínima pelos planos de saúde, e devemos enfatizar que se trata do mínimo a ser coberto, já sendo pacificado o entendimento nos Tribunais que o rol é meramente exemplificativo, e, a doença estando coberta pelo plano, todo seu tratamento, exames, procedimentos e materiais devem ser custeado por este.

Vocês já pensaram porque os procedimentos de vasectomia e histerectomia são cobertos e a fertilização in vitro e a inseminação artificial não?

Porque devemos aceitar que somente pode ser considerado planejamento familiar quando se impõe a interrupção do aumento da prole? Difícil de compreender.

Na prática, em ambos os casos, o procedimento de fertilização in vitro só é custeado por meio de ação judicial, que pode ser proposta por um advogado particular ou pela defensoria pública, cuja assistência jurídica gratuita podem usufruir as famílias de baixa renda.

Fica, então, a mensagem para que se regulamente uma legislação específica para cobertura e custeio das técnicas de reprodução assistida pelo SUS, bem como se mantenha a luta para que os Tribunais Superiores determinem a cobertura obrigatória dos planos de saúde nas técnicas de reprodução assistida.

[1] O STJ tem decidido reiteradamente que fertilização in vitro não se confunde com planejamento familiar. Assim, o planejamento familiar teria cobertura obrigatória pelos planos de saúde, mas a fertilização in vitro não. Nesse sentido: AgInt no REsp 1748518/DF, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 03/06/2019, DJe 06/06/2019; AgInt no REsp 1788114/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/05/2019, DJe 24/05/2019, entre outros acórdãos. Essas decisões são precedentes importantes, mas não foram proferidas em sede de demanda ou recurso repetitivo nem tampouco possuem seus entendimentos sumulados de maneira que não são de observância obrigatória pelos juízes e Tribunais. Em outras palavras, esses julgados indicam que há uma tendência do STJ manter esse entendimento, mas não significa que quem propor uma ação judicial não tenha nenhuma chance de obter êxito. No tocante às decisões quanto à obrigatoriedade do SUS oferecer tratamento de fertilização in vitro os julgados dos STJ não permitem ainda indicar o entendimento do órgão.

[2] Na inseminação artificial, a ovulação é induzida e é inserido no útero o sêmen previamente coletado e preparado. A partir daí as etapas de fecundação são semelhantes à gravidez natural. O espermatozoide deve alcançar as tubas, encontrar o óvulo, fecunda-lo e formar o embrião que depois deve se locomover até o útero onde ocorre a implantação. Na fertilização in vitro, também há a indução da ovulação, mas este é coletado assim como o sêmen. A fecundação ocorre em laboratório (in vitro) e depois de formado o embrião, este é transferido diretamente para cavidade uterina.   

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