Cada vez que escuto que a endometriose é uma doença benigna, que não mata e blá, blá, blá penso quão ignorante é essa frase. Hoje nem mesmo o câncer é uma sentença de morte. A não ser que ele já esteja em grau bem avançado, com metástase.
Mas o câncer é considerado maligno. Se a endometriose tem o comportamento bem semelhante ao câncer, porque há de falarem que é uma doença benigna? Engraçado é que esses mesmos que falam que a doença é benigna, dizem que a endometriose tem o comportamento maligno.
Afinal, a endometriose é benigna ou maligna? Não importa. É uma doença, como tantas outras, que pode ser fatal. A endometriose é uma doença que precisa ser levada mais a sério não somente pelos governantes, mas também pelos médicos. É preciso maior conhecimento da sociedade, em especial, dos médicos.
Para aqueles (as) que acham que a endometriose não mata, no último dia 22 de novembro perdemos uma endoirmã em Natal, no Rio Grande do Norte. O que mais me doeu saber foi que Dalvanir já tinha feito duas cirurgias para retirada dos focos e estava aguardando a terceira.
Ou seja, como disse o doutor Andrew Cook no texto “A endometriose tem cura?“, “as mulheres passam por inúmeras cirurgias falhadas….”. E foi o que aconteceu com Dalvanir.
Sua causa mortis: choque hemorrágico por hemoperitônio causado por endometriose. Será que a doença ainda pode ser chamada de benigna? Sempre dizem que a endometriose não mata. Mas nós já falamos que ela pode matar sim: Precisamos urgente de maior capacitação médica!
Além do reconhecimento da doença como social e de políticas públicas efetivas para as mais de 10 milhões de brasileiras, a partir de agora, colocamos a educação médica também como missão do A Endometriose e Eu, já que não existe nenhum outro blog que faz esse papel no Brasil: de passar a correta conscientização.
Hoje, dia 15 de dezembro, Dalvanir faria 43 anos de vida. Convidei seu companheiro dos últimos 17 anos, o repórter-fotógrafo Vlademir Alexandre, que a acompanhou durante toda sua luta com a doença, para homenageá-la no blog.
Há quase 8 anos nesta luta, fico muito triste quando uma endoirmã tem este tráfico fim. Continuarei na luta, ainda mais forte, em nome da Dalvanir, da Suellen e de tantas outras que já falecerem decorrente da endometriose, seja direta ou indiretamente, seja antes, durante ou após alguma cirurgia.
Só não podemos deixar que a sociedade despreze a dor e o sofrimento de milhares de mulheres por conta da falta de informação. Não pode-se dizer que a endometriose é uma doença benigna. Afinal, a endometriose (infelizmente) pode matar.
Não podemos mais continuar invisíveis para a sociedade! Vamos mudar o futuro das novas gerações, lutar por nossos direitos e informar a sociedade sobre uma doença que atinge uma em cada 10 mulheres. Participe da EndoMarcha 2018 no dia 24 de março. Faça aqui sua inscrição gratuita. Beijo carinhoso! Caroline Salazar
Por Vlademir Alexandre
Edição: Caroline Salazar
#DalvanirPresente
Hoje teríamos acordado, corpos enlaçados no repouso de nossos braços. Já estariam postos em abraço, bastaria acordar, mas não será assim.
A caçula de uma família no interior do Rio Grande do Norte, Dalvanir, Dal, como a chamava, marcou um ponto fora da curva em uma vida que desde cedo apontava um novo horizonte.
Talvez, daí, sua predileção inconsciente pelas terras mineiras de capital, Belo Horizonte.
Bem que haveria de nascer de pele negra e olhar expressivo uma menina cheia de desejos e vontade de tomar o mundo para si, o caminho se daria primeiro pelos livros.
Ainda criança, o desejo de conhecimento era de tanta pujança que quando adoecida, era faltar à escola o que lhe fazia chorar e não a tormenta de adoecer.
Chuvas não a faziam desistir de trilhar os três quilômetros de estrada de terra até a escola. Sua mãe não carregava diplomas, mas ao saber ler, contava-lhe histórias, cantava para ela, e até marchinhas tradicionais de campanhas políticas entoavam o prazer desses encontros.
Seu pai, de certo não é sábio conhecedor das normas intelectuais, guarda em si a nobreza natural de homem do campo, justo, honesto, trabalhador e atencioso com a família, pôs cada um no caminho do respeito ao próximo. Dal foi forjada no mais puro princípio de reconhecer no mais simples olhar a grandeza que habita cada ser.
Uma trajetória ascendente de envolvimento com os mais nobres temas relacionados à educação, por justiça e por inclusão social, aquela pequena menina de cabelos negros não tardaria a expressar e muito nova já se dedicava a ensinar.
Os novos caminhos fizeram de Natal seu porto onde foi navegar no magistério passando pela contabilidade, desaguando na academia em Serviço Social. Não bastasse avançou pelas Ciências Sociais, fez mestrado e doutorado e concluiu seus dias dando sua relevante contribuição a administração. Após sua partida, recebi mais de cem cartas e inúmeras homenagens daquela professora que quebrava paradigmas e ensinava a apreciar o conteúdo com olhar profundo de desvendar o saber.
Em todo lugar sua serena calma, seu raciocínio rápido e uma forma única de abordar os mais ácidos assuntos com sobriedade, equilíbrio, tolerância e um acolhedor desejo de ajudar fazia dela um acontecimento na vida de quem compartilhava de sua companhia.
Dizia de uma saudade da passagem pelo INCRA (Instituto de Colonização e Reforma Agrária), “uma saudade de poder ajudar aquele povo embaixo da lona”, colecionava trechos de poemas, músicas e autores diversos, pontuava de poesia sua lida racional.
Dal encontrava na corrida de rua uma forma de lazer e de desafio aos novos limites, foram muitos quilômetros, medalhas e metas alcançadas.
Foi exemplo de determinação. É símbolo de conquista com simplicidade e humildade, escutava a todos e sempre guardava uma palavra certeira dessas que se espera, sem saber que virá.
Eu que me sinto guardador de esmeralda, pude dar as mãos, seguir junto, construir caminhos e encontrar desejos, pensar possibilidades, pude ser melhor querendo ser mais por amor.
A endometriose surgiu em nossas vidas por volta de 2014. O que pareciam cólicas incomuns logo foi diagnosticado como a doença.
Em 2015, ela fez sua primeira cirurgia, mas teve pouco resultado em forma de alívio das dores. As impressões na falta de pesquisa, em um processo de atendimento médico limitado a padrões pré-estabelecidos pela literatura oficial, os poucos médicos de conhecimento mais aprofundado no assunto, as dúvidas postas pela possibilidade de esterilidade ou preservação dos órgãos reprodutores e as ofertas de tratamento de FIV (Fertilização In Vitro) foram tencionando nosso cotidiano.
Já em 2017, uma nova cirurgia e a aplicação seguida de zoladex (nota da editora: tratamento medicamentoso com análogo de GnRH que induz à menopausa) pôs início a um processo intenso de dores crescentes que culminaria em um desaparecimento súbito de Dalvanir em 22 de novembro, dia em que nos deixou.
O sentimento que me invadiu, de uma ausência dilacerante, não tem forma de revolta, não busca culpados, se alimenta de esperança. O luto transformou em luta, e no desejo que outros homens que tem em suas companheiras a vontade de caminhar unidos no sentimento fundado no encontro, estejam atentos, pacientes, tolerantes e acolhedores na dor como por amor.
Que a medicina ressignifique seus métodos, suas abordagens e se aprofunde no humanismo. Que políticas públicas de saúde compreendam e enquadrem este tema nas prioridades de atendimento, pesquisa e atenção básica.
Faço de minha dor, o princípio de amor que recebi, que não se basta no corpo que vai, amplia na vida de quem fica.
Hoje, 15 de dezembro, comemoramos seu nascimento. Foi a partir dele que tudo que ela cultivou germinou e cresceu em cada um que esteve no jardim que foi sua vida.
Seguimos fortes em seu exemplo, sigo por me sentir amado por ela, por não poder menosprezar esse amor. Este sentimento se amplia, distribui, se expande, cresce na doação, emancipa na luta e na determinação. Esse é o bem querer que vive em nós.
É preciso honrar o legado de manifestar a luta por uma sociedade mais humanizada, apoiada na grandeza da solidariedade, na ação ética independente de destaque ou status.
Essa lição apreendida da professora, da amiga, da companheira, da amante e de uma imensa inspiração humana que compartilhou comigo 17 anos de um tempo de descobertas e de luz.
Assim foi Dalvanir, a Dal, sorriso fácil, intensa, sóbria, ética, leve, determinada, amada. Deixa a vida para ser símbolo.
Com amor.
Fotos: Vlademir Alexandre. arquivo pessoal
1 comentário
Muito triste. Meus sentimentos, Vlademir.
#DalvanirPresente