Um dos principais motivos para a falha dos tratamentos da endometriose é o desconhecimento de sua (s) real (is) causa (s). Pior que isso: há sugestões tidas como definitivas (como a teoria da menstruação retrógrada), mas que não a são.
Pior do que não ter um mapa, é ter um mapa errado…
Discutir, e rediscutir, e rediscutir as causas da endometriose é fundamental para avançarmos no tratamento da endometriose.
Ou provamos em definitivo que a menstruação é o que causa a endometriose, ou abandonamos esta teoria e seguimos rumo à reais avanços. O doutor Cook escreveu brilhantemente este texto e deu exemplos para que começamos a pensar “fora da caixinha”. Boa leitura! Forte abraço, Alysson Zanatta.
O que causa a Endometriose?
Por doutor Andrew Cook
Tradução: Miriam Ávila
Edição: doutor Alysson Zanatta e Caroline Salazar
Neste momento, ainda não sabemos o que causa a endometriose. Nota da editora: Em 2009 foi comprovado mediante estudo científico italiano endometriose em fetos.
Ao considerar a origem e a manifestação de uma doença, devemos ter em conta os fatores que determinam se a mulher desenvolve a condição ou não, e das mulheres que desenvolvem a doença, os fatores que determinam a gravidade da doença em última instância (se é sintomático, agressivo, invasivo e sua extensão).
Até agora, várias teorias sobre a origem e manifestação da endometriose foram propostas.
O objetivo de uma teoria sobre a origem é apresentar uma explicação que reconcilie adequadamente tudo o que conhecemos sobre esta doença.
Geralmente, a teoria melhor aceita é adotada e usada para orientar e prever tratamentos e resultados.
Ao longo do tempo, se aparecer novas informações, esta teoria pode ser superada ou substituída por outra concorrente ou alternativa que possa ser adaptada para acomodar as novas descobertas.
- Teoria de Sampson sobre Menstruação Retrógrada:
Talvez uma das teorias de origem mais populares e duradouras seja a menstruação retrógrada, do transporte e da implantação. Esta é a crença de que a endometriose ocorre através de um processo de tecido endometrial que reflui pelas trompas de Falópio durante a menstruação, entrando na cavidade pélvica e implantando e invadindo as superfícies das estruturas pélvicas.
A menstruação retrógrada, no entanto, é um fenômeno comum que ocorre em 90% das mulheres, mas apenas 10% das mulheres desenvolvem endometriose e o nesse refluxo apenas contém depósitos mínimos de tecido endometrial.
Além disso, a endometriose consiste em tecido que é semelhante, mas não idêntico ao endométrio nativo do útero, sugerindo que não é um mero autotransplante.
Outros fenômenos sobre a doença que não podem ser adequadamente explicados por esta teoria incluem a presença de endometriose em fetos, em mulheres sem útero funcional e em um pequeno número de homens submetidos a tratamento para câncer de próstata.
A teoria da menstruação retrógrada prevê que a doença se repita após a cirurgia e piora ao longo do tempo com cada fluxo menstrual, mas a excisão cirúrgica da endometriose tem provado uma efetiva remoção da doença na maioria das pacientes com raro reaparecimento.
Estudos que examinam a extensão da doença em diferentes faixas etárias de pacientes não conseguiram encontrar um aumento na doença com a idade.
- Teoria da Disfunção Imunológica:
A pesquisa revela que as mulheres com endometriose têm mais risco de contraírem várias doenças autoimunes, incluindo alergias, lúpus eritematoso sistêmico, Síndrome de Sjögren, artrite reumatóide e esclerose múltipla.
Com base nesse conhecimento, desenvolveu-se uma teoria híbrida que se estende sobre a teoria da menstruação retrógrada de Sampson.
Conforme mencionado acima, a menstruação retrógrada ocorre em cerca de 90% das mulheres, mas apenas uma minoria desenvolve endometriose.
Há uma hipótese de que uma disfunção imune subjacente interfira na habilidade natural do corpo para eliminar o tecido da pelve e, portanto, o tecido é permitido estabelecer-se e proliferar, resultando em endometriose.
Este argumento contém muitas das mesmas limitações que a teoria original da menstruação retrógrada.
Enquanto os distúrbios autoimunes são mais comuns em mulheres com endometriose, muitas delas com endometriose não apresentam tais distúrbios.
Outra questão importante é que se a disfunção imune realmente precede o início da endometriose ou, em vez disso, é resultado do próprio processo da doença.
A endometriose desencadeia uma resposta imune contínua, que ao longo do tempo pode moderar ou interromper a função imune, alterando a propensão de uma mulher ao desenvolvimento de distúrbios autoimunes.
- Teoria Mulleriana:
A teoria Mulleriana defende que a o que causa a endometriose já está estabelecida durante o desenvolvimento embrionário e permanece adormecida até mais tarde na vida, em que as alterações nos hormônios (como durante a puberdade – menarca – ou a gravidez) desencadeiam a doença a se tornar ativa e ou sintomática.
Durante o desenvolvimento embrionário, o tecido é estabelecido e diferenciado nos vários órgãos e estruturas pélvicas que formam a pelve, incluindo os órgãos reprodutores.
Em mulheres com endometriose, algo acontece durante este processo e o tecido que normalmente seria restrito ao interior do útero acaba por se desenvolver fora do útero.
Uma analogia útil é a de um chef que segue uma receita para um jantar completo. Ele tem todos os ingredientes certos, mas a receita contém erros e alguns dos ingredientes que devem pertencer ao prato principal acabam na sobremesa e outros ingredientes destinados à sobremesa acabam no prato principal.
No desenvolvimento dos órgãos reprodutivos, os genes HOX determinam que tecidos se desenvolvem e onde eles irão se desenvolver.
É possível que anormalidades nesses genes, sejam eles espontâneos ou herdados, resultem em erros de codificação que, por sua vez, resultam na presença de tecido endometrial aberrante fora do útero (endometriose).
Esta teoria pode explicar por que a doença tem sido observada em bebês e meninas pré-adolescentes, bem como a presença de outros tipos de tecido aberrante que podem coocorrer com endometriose, como endocervicose (tecido semelhante ao colo do útero encontrado fora do útero) e endosalpingiose (tecido semelhante ao revestimento das trompas de falópio presente fora das tubas).
Também poderia ajudar a explicar o padrão exclusivo da doença, por exemplo, por que ocorre com mais frequencia em alguns locais do que outros.
Curiosamente, há um padrão de anormalidades e anomalias, como anomalias do trato urinário e uterino, adenomiose, fibromas e bolsas peritoneais que são significativamente mais comuns em pacientes com endometriose.
Esta síndrome de condições pode ser explicada por um padrão subjacente comum de “erros de codificação” que se manifestam durante o desenvolvimento embrionário.
- Teoria do Remanescente Embrionário:
A teoria do remanescente embrionário propõe que células de origem Mulleriana possam aparecer dentro da cavidade peritoneal e, em determinadas circunstâncias, induzem à formação do tecido endométrio.
Um remanescente embrionário é um tecido embrionário que apareceu além do desenvolvimento da fase embrionária.
As células de origem Mulleriana são as células embrionárias que originalmente compreendem o ducto de Müller, uma estrutura que posteriormente se diferencia nos órgãos reprodutivos femininos (especificamente as trompas de Falópio, o útero e parte da vagina).
Desconhece-se, no entanto, se essas células realmente podem persistir além do início da vida.
- Teoria das Células-Tronco:
Uma teoria recente é a de que o que causa a endometriose é o que surge em células germinativas endometriais localizadas fora do útero.
As células-tronco são células indiferenciadas que possuem o potencial para se regenerar e produzir células filhas “diferenciadas”.
Propõe-se que as células germinativas localizadas na pelve fora do útero provocem a regeneração e a diferenciação das lesões endometrióticas.
Essas mesmas células desempenham um papel na regeneração mensal do tecido endometrial dentro do útero após cada fluxo menstrual.
- Teoria da Disseminação Linfática e Vascular:
Em casos menos comuns, uma paciente irá apresentar endometriose em lugares mais afastados, tais como pulmões, no cérebro ou até mesmo nos olhos.
Uma explicação para essas ocorrências é que pequenas quantidades de tecido endometrial possam se espalhar por todo o corpo através do sistema linfático e vascular.
Não está claro, no entanto, como esse processo ocorre e, talvez, uma explicação mais plausível é a de que a doença se apresenta nesses locais distantes devido a um processo de metaplasia celômica (a transformação de células ou tecido de um tipo para outro).
- Teoria da Metaplasia Celômica:
A metaplasia celômica baseia-se na noção de que qualquer célula do corpo tem potencial para se transformar em outra célula.
Todas as células têm o mesmo código genético básico, mas são diferenciadas pelas diferentes maneiras pelas quais esse código genético é expresso.
A expressão do código genético de uma determinada célula pode ser influenciada por qualquer tipo de fatores (como inflamação, exposição a toxinas e cicatrização de feridas).
No caso da endometriose, a teoria da metaplasia celômica prevê que o material genético em uma célula ou em um grupo de células (tecido) se expressa de forma diferente, fazendo com que o tecido se transforme em endometriose.
Esta teoria poderia explicar a ocorrência de doença em locais distantes no corpo, endometriose cicatricial e a presença da doença em homens submetidos a tratamento para câncer de próstata.
- Fatores genéticos:
Verificou-se que a endometriose ocorre nas famílias. O risco de uma mulher desenvolver a doença é significativamente maior se sua mãe ou sua irmã também tiverem a doença.
Essas descobertas apontam para uma origem genética da doença.
O que sabemos é que nenhum gene individual é responsável pela endometriose e o padrão de herança é complexo.
Muito provavelmente, uma série complexa de genes está envolvida na transmissão familiar e na expressão desta doença, e esses genes podem interagir com fatores ambientais para determinar a extensão e gravidade da doença.
- Toxinas ambientais:
Com um aumento na exposição a toxinas no ambiente circundante (poluição do ar, produtos químicos tóxicos presentes em produtos domésticos e na cadeia alimentar), bem como o aumento à exposição a estrogênios nos alimentos que consumimos, surge a hipótese de que mais mulheres possam desenvolver endometriose do que anteriormente ou que a gravidade da endometriose possa ser exacerbada pela exposição a determinados produtos químicos.
Existem dois mecanismos potenciais através dos quais os fatores ambientais podem desempenhar este papel.
Em primeiro lugar, existe potencial para a exposição a dioxinas in vitro para resultar em mutação genética, o que, por sua vez, pode causar a ocorrência da doença e, em segundo lugar, a exposição a determinados produtos químicos ao longo da vida pode aumentar a atividade da doença ou mesmo resultar em uma susceptibilidade “latente” subjacente a doença se expressando.
Se uma área de tecido abriga o potencial de se tornar endometriose por meio da metaplasia, um fator ambiental poderia ser o catalisador que desencadeia essa mudança.
Isso traz o papel da epigenética, que é quando fatores externos alteram a expressão dos genes de uma pessoa.
Alterações na expressão gênica podem, por sua vez, resultar em mudanças no comportamento das células no corpo.
É importante notar, no entanto, que a endometriose existe há milênios. Como podemos ver, várias teorias foram propostas para explicar a origem e a apresentação da endometriose.
A questão sobre o que causa esta doença e o motivo pelo qual algumas mulheres apresentam a doença mais avançada e agressiva do que outras está longe de ser simples.
Neste momento, não temos todas as respostas. Muito provavelmente, uma interação complexa entre várias das teorias acima descritas, em última instância, é a chave para explicar completamente a causa e, por sua vez, a cura dessa doença enigmática.
Fonte texto e imagem: Vital Health