Em um brilhante texto, a neurocientista, Libby Hopton, explica de forma muito clara como é o tratamento cirúrgico da endometriose. Além do tratamento efetivo e curativo da endometriose possível por meio da excisão cirúrgica com remoção total dos focos, há também outra técnica possível de excisar e retirar os focos de órgãos considerados mais delicados, como nos ovários, no útero e nas trompas.
Libby, que no momento se dedica à sua nova função de mamãe de gêmeos, é incansável em espalhar e ensinar sobre a correta conscientização da endometriose: a cura por meio da excisão cirúrgica com remoção total dos focos.
Além de falar sobre as várias técnicas de cirurgia, ela também aborda as ferramentas usadas e dá dicas preciosas de como escolher seu cirurgião. A experiência do cirurgião é muito importante. E ela mencionou algo que eu falo já anos no A Endometriose e Eu: converse com as pacientes operadas pelo seu cirurgião escolhido.
Desde que comecei a passar essa nova conscientização da doença, falo que o melhor termômetro para saber da capacidade cirúrgica do cirurgião é conversar com as pacientes. Conheci a Libby pessoalmente em 2014, no mesmo evento que fui apenas para conhecer o doutor David Redwine, e, desde então, ela se tornou um grande referencial para eu estudar a doença e continuar meu trabalho no Brasil.
Quem se lembra da entrevista exclusiva que fiz com ela em 2014? Ela foi a responsável em ajudar o doutor Redwine na construção de seu site e trabalha com o doutor Cook. Foi muito bom conhecê-la, apresentar um pouco de São Paulo para ela e desenferrujar meu inglês. Beijo carinhoso! Caroline Salazar
Por Libby Hopton
Tradução: Alexandre Vaz
Edição: doutor Alysson Zanatta
Tratando endometriose cirurgicamente: o bom, o mau e o feio.
Quando lemos sobre cirurgia para endometriose, nos deparamos com uma infinidade de termos cirúrgicos, instrumentos e técnicas que parecem se fundir… excisão, vaporização, ablação, eletrocauterização, coagulação, fulguração, dissecção aguda e contundente, ressecção, laser CO2, eletrocirurgia monopolar e bipolar, bisturi harmônico… e por aí vai…
O uso de tantos termos, muitos com significados que se sobrepõem, causa muita confusão, não apenas para as portadoras, mas também (pelo que parece) à comunidade médica na forma como se comunicam com as portadoras sobre essas técnicas cirúrgicas.
Para complicar um pouco mais, existe uma confusão considerável e opiniões divergentes sobre qual é a melhor técnica e quais devem ser evitadas.
Algumas técnicas foram rotuladas nas comunidades de portadoras como sendo “perigosas” ou “ruins”, em uma abordagem simplista e de um jeito “preto e branco”, e por isso alguns cirurgiões hesitam em mencionar o uso dessas técnicas nos seus sites ou às suas pacientes, com medo de prejudicar seu negócio (de perder pacientes).
Como portadora a sua prioridade é conseguir a melhor cirurgia possível e também conseguir o melhor resultado possível. Pesquisas mostram que existe uma vasta diferença de resultados entre a cirurgia realizada pelo ginecologista/obstetra generalista e a cirurgia realizada pelos principais especialistas em cirurgia de endometriose.
Por que isso acontece e como pode a portadora ter a certeza de que o cirurgião que escolheu vai fazer um bom trabalho durante a cirurgia? Existem vários motivos pelos quais alguns cirurgiões conseguem melhores resultados do que outros:
1- Se a doença não é reconhecida, então ela não será tratada. O seu cirurgião precisa ter um conhecimento profundo de todas as aparências visuais da endometriose.
Endometriose não é fácil de identificar. É necessário um cirurgião altamente experiente com um olho muito bem treinado para saber como reconhecer as áreas onde a doença está localizada, seja onde for que ela se encontre na pelve.
Não se trata apenas de instrumentos e técnicas utilizadas pelo cirurgião, mas também é o seu conhecimento e experiência com a doença. Estas habilidades demoram tempo para adquirir.
Como posso ter a certeza de que o meu cirurgião vai encontrar todos os focos de endometriose no meu corpo?
Pergunte para ele ou ela qual o volume de cirurgias que está fazendo: o ideal é que esse cirurgião já deverá ter tratado centenas de casos e está realizando essas cirurgias semanalmente.
O que são as taxas de recorrência relatadas? Doença recorrente tipicamente é doença persistente que não foi tratada na cirurgia anterior.
Cirurgiões competentes manterão um registro de reoperações e também da taxa de recorrência observada nas portadoras. Uma taxa geral de recorrência de 15% ou menos não deve ser irrealista.
Se o cirurgião acredita que a recorrência é inevitável, então isso sugere que ele ou ela não está removendo todos os focos e poderá ser melhor procurar outra opinião.
Qual é a taxa de reoperação? Pergunte para o seu médico qual a percentagem de portadoras que ele ou ela teve de reoperar. Se o valor for elevado (acima de 25%), isso também indica que focos da doença estão sendo deixados para trás.
2- Removendo focos de locais complicados. Alguns cirurgiões possuem maior perícia em trabalhar em áreas difíceis do corpo do que outros. Alguns só tratam áreas mais fáceis e evitam mexer em focos que implicam estruturas vitais, como o intestino, bexiga, ureteres e vasos sanguíneos principais.
Dado que a endometriose pode ocorrer numa vasta variedade de locais, para se assegurar que o seu cirurgião pode tratar tudo, ele deve possuir confiança para operar nessas áreas, ou então ter apoio multidisciplinar que o ajudem com essas partes da cirurgia.
Pergunte para o cirurgião se ele opera no intestino, ou se tem um colega experiente nessa parte que colabore com ele na cirurgia.
Pergunte se opera bexiga e ureteres, e se não for o caso, se tem um urologista experiente que forme equipe com ele.
Pergunte também quão frequente é essa colaboração, ou se o ginecologista já tratou endometriose no intestino, ureteres e bexiga.
Se for raro que o cirurgião lide com esses casos, e você suspeitar que possa ter endometriose no intestino/bexiga, poderá ser melhor procurar um cirurgião ou equipe mais experiente.
Pergunte também qual é a taxa de complicações operatórias dele ou dela nesses casos.
3- Alguns cirurgiões são mais eficazes na remoção da doença do que outros. Quando o caso é a erradicação da endometriose são utilizados diferentes técnicas e instrumentos. Cada cirurgião terá a sua preferência pessoal.
Para simplificar a compreensão, os instrumentos utilizados são relativamente pouco importantes. Desde que o resultado final seja a remoção dos focos, na verdade não importa muito se o cirurgião utiliza laser, tesoura elétrica, um bisturi harmônico ou… pauzinhos chineses (embora que isso provavelmente faria com que a cirurgia demorasse um horror de tempo).
Para clarificar e desmistificar alguns mitos: o laser não é ruim. Ele pode ser tão eficaz como qualquer outra ferramenta, desde que a técnica correta seja usada.
Não é a ferramenta, mas a perícia em utilizar a ferramenta que é o importante. Todos os instrumentos comumente utilizados na cirurgia de endometriose podem ser utilizados de formas diferentes (técnicas diferentes), então apenas porque alguém utiliza laser ou bisturi harmônico isso não garante que a técnica usada seja boa (ou ruim).
Quando se trata de erradicar a endometriose, podemos estabelecer uma distinção entre as técnicas destinadas a destruir a doença (cauterização) e as destinadas a remover (excisar) a doença.
Você poderá seguramente pensar que ambas são a mesma coisa, mas com a excisão do tecido doente ele poderá ser enviado para o laboratório de patologia para análise e confirmar se trata-se de endometriose ou não.
Enquanto que na cauterização o foco é destruído e queimado (aplicando-se corrente de baixa intensidade para destruir o tecido por desnaturação, secagem, descoloração e agregação de proteínas) ou vaporização (aplicando corrente de alta intensidade para reduzir o tecido a vapor), e não restará nenhuma amostra para enviar para análise.
Vamos primeiramente considerar a excisão:
Esta técnica permite enviar amostras para a patologia para serem avaliadas. Pode ser aplicada em todas as áreas com segurança. É uma forma rápida e eficaz de remover grandes áreas de tecido afetado pela doença.
A excisão pode ser realizada até o limite do tecido saudável. O tecido por baixo não é danificado no processo, permitindo ao cirurgião enxergar se todo o tecido doente foi removido.
Em mãos experientes, a excisão é uma técnica eficaz no tratamento da endometriose em qualquer lugar do corpo. Tal como com qualquer outra técnica, o alívio dos sintomas só poderá ser atingido se os focos forem removidos na totalidade.
Uma excisão incompleta é tão inadequada como qualquer outra técnica que não remova completamente os focos. O cirurgião precisa excisar de todas as áreas e fazer isso em profundidade para que toda a doença seja removida.
Agora vamos considerar a destruição da endometriose através da cauterização dos focos:
Enquanto esta técnica seja frequentemente usada pelos ginecologistas/ obstetras, ela é amplamente considerada pelos especialistas como inadequada para a destruição completa de todas as áreas da doença.
A cauterização ocorre quando uma fonte de baixa energia é aplicada ao tecido. Quando esta energia é aplicada, o calor se espalha pelo tecido de forma pouco confiável e imprevisível.
Pode ocorrer uma distribuição térmica considerável, que pode ser perigosa se o calor for aplicado a um tecido que cobre estruturas vitais, e podem então ocorrer lesões que passem despercebidas ao cirurgião no intestino, bexiga, vasos sanguíneos e ureteres.
Imagine tentar cozinhar um peito de frango com um ferro em brasa. Você encosta o ferro na superfície da carne e verifica que após algum tempo a superfície fica branca, mas não tem forma de saber se o tecido por baixo ficou cozido, ou até que profundidade o frango foi cozinhado.
Quando o cirurgião cauteriza a endometriose, ele só pode enxergar que a superfície do tecido foi queimada, mas não é possível verificar se o foco por baixo foi totalmente destruído.
Por esse motivo este método não é confiável e é um meio inadequado de erradicar a endometriose, sendo provavelmente um dos motivos principais pelos quais as portadoras poderão ter de se submeter a repetidas e ineficazes cirurgias.
Vamos então agora considerar a vaporização:
A vaporização é frequentemente comparada com a queima, mas na verdade essas duas técnicas são diferentes em termos de intensidade de corrente elétrica aplicada e também no resultado final.
Com a vaporização é utilizada uma corrente de energia de intensidade elevada, o que significa que em vez de queimar o tecido, ele é instantaneamente convertido em vapor. A vaporização pode ser conseguida através de laser ou de corrente elétrica (eletrocirurgia).
Se a vaporização for realizada ao longo de um plano linear (uma linha), então obtemos um corte. A excisão é na verdade uma forma de vaporização (vaporização linear) e nesse sentido, todos os cirurgiões que executam excisão, estão na verdade usando uma forma de vaporização.
Isso tem sido confundido por muitos que erradamente assumem que a vaporização é equivalente à queima (fulguração, coagulação e cauterização), quando de fato não é esse o caso.
A vaporização pode ser aplicada de duas formas. Como descrito acima, ela pode ser utilizada num plano linear para cortar (excisar) uma área de tecido.
Se, no entanto, a energia for distribuída por uma área maior (não simplesmente um plano linear), a camada superficial do tecido pode ser vaporizada, deixando intacto o tecido que se encontra por baixo.
Ao contrário da queima, existe pouca irradiação térmica (a energia é absorvida pelo tecido superficial mas não pelo tecido subjacente). Isso pode ser considerado como vaporização de área, ou vaporização ablativa.
A vaporização de uma área extensa pode conter algumas das mesmas deficiências que a cauterização se não for aplicada com agressividade suficiente (exemplo: se camadas de tecido não forem vaporizadas em profundidade suficiente, restará parte do foco por baixo).
Essa abordagem também é bastante demorada (imagine tentar pintar uma casa usando uma escova de dentes) e nem permite que o tecido seja enviado para análise histopatológica (biópsia).
Enquanto que a vaporização de área não deverá ser considerada como o pilar da cirurgia de endometriose e o cirurgião que a utiliza seria pressionado para atingir os mesmos resultados que com a excisão (é demasiado demorada e existe o risco de o tratamento de alguns focos ficarem inadequadamente vaporizados, além de que não sobra nada para análise), muitos peritos acham que, em certos casos limitados, a vaporização tem o seu valor.
Até mesmo o doutor Redwine nem sempre excisou a doença: “Eu mesmo, um defensor ferrenho da excisão a todo o custo, nem sempre excisaria”, tendo por vezes utilizado vaporização de área em doença superficial nos ovários e no útero.
Então, quando a vaporização de área pode ser preferível à excisão (vaporização linear)?
A excisão de doença superficial nos ovários pode causar perda desnecessária de tecido ovariano saudável. Em tais circunstâncias, a vaporização de área pode remover a doença de forma eficaz sem comprometer desnecessariamente a reserva de óvulos.
A excisão de doença superficial das trompas de falópio poderá conduzir a danos nas trompas e comprometer a fertilidade.
Uma abordagem menos agressiva pode tratar pequenas áreas de doença superficial com vaporização de área para que as trompas se mantenham intactas e não precisem ser abertas e suturadas, reduzindo o risco de obstrução das mesmas.
Alguns especialistas acreditam que é melhor tratar a doença ou tecido cicatrizante envolvendo os ureteres com vaporização de área do que com excisão para evitar danificar os ureteres e evitar desse modo a reparação dessas estruturas.
Em alguns casos, a doença superficial na parte externa do útero, pode ser melhor tratada com vaporização do que com excisão.
Alguns especialistas defendem que é melhor tratar a doença superficial do intestino delgado com vaporização da área do que com a excisão, porque com a excisão existe o risco de perfuração, necessitando de reparação e possivelmente de ressecção por conta da parede fina e delicada desta porção do intestino.
Dado que a ressecção é associada com alguns riscos e em alguns casos uma estadia maior no hospital, a vaporização de área poderá ser uma alternativa eficaz nesses casos específicos.
Alguns especialistas acreditam que a doença superficial no diafragma seja melhor tratada com vaporização ao invés de excisão. Isso é um pouco controverso devido a disparidades em dados clínicos publicados entre vaporização de área e excisão de focos no diafragma (se optar por vaporização de área no diafragma, certifique-se de pedir para o seu cirurgião os dados clínicos de pacientes que se submeteram a esse procedimento em particular).
As opiniões sobre a utilização da vaporização poderão ser diferentes entre os especialistas. Alguns usarão exclusivamente a excisão no diafragma, no intestino e ao redor dos ureteres, enquanto que outros combinarão a excisão com vaporização limitada a certos casos específicos.
No entanto, o consenso é mantido: os focos devem ser removidos na totalidade seja por quais meios forem. Na vasta maioria das situações, a técnica mais indicada é a excisão. Em casos excepcionais a vaporização de área pode ser apropriada e reduzir danos desnecessários em estruturas delicadas, como as trompas de falópio.
O uso da vaporização é amplamente aceito entre os melhores especialistas em endometriose, embora pouco debatido. Então porque desconsideramos tanto a vaporização e porque não existem mais especialistas de endometriose admitindo o seu uso em alguns casos? (embora “todos” eles utilizam essa técnica de quando em vez… até o doutor Redwine)
Porque existe a ideia errada de que seja igual à cauterização do tecido, e seria, portanto ineficaz. Se um cirurgião apenas usasse a vaporização, ou esta fosse a sua técnica principal, isso não seria ideal, provavelmente ele produziria resultados desfavoráveis, demoraria muito tempo e não permitiria a realização de biópsias.
Os cirurgiões não mencionam isso por conta da mentalidade de que “excisão é bom, vaporização é ruim”, ou porque a sua filosofia geral é de oferecer excisão ampla, e de certa forma é a sua perícia na realização da excisão que o separa dos outros cirurgiões.
Afirmar publicamente que a vaporização é usada em certas situações poderá fazer com que algumas portadoras não se sintam confortáveis em serem operadas com eles se as portadoras forem levadas a pensar que isso é inadequado e que significa que a cirurgia será ruim ou ineficaz.
Na verdade, se a excisão (vaporização linear) é usada na maioria das situações e a vaporização localizada for reservada para aquelas situações excepcionais em que os cirurgiões sentem que esta técnica trará vantagens, então isso parece muito apropriado.
Se você ficou preocupada, então porque não colocar a questão ao seu cirurgião quando tiver a próxima consulta? Pergunte: Existem algumas situações em que o doutor utiliza vaporização localizada, e porquê?
Se você espera ter uma cirurgia envolvendo os órgãos acima mencionados (bexiga, intestino, ureteres, trompas de falópio, útero ou diafragma), pergunte como será a abordagem para lidar com os focos nessas áreas.
Mais importante que isso, pergunte ao seu cirurgião sobre as taxas de reincidência, sucesso na eliminação da dor e de reoperação, e pergunte também sobre o prognóstico de pacientes anteriores submetidas à cirurgia para um caso semelhante ao seu.
Em última análise, o que importa são os resultados e eles valem por si mesmos – nós queremos nos sentir melhor e evitar recorrência e cirurgias desnecessárias.
Se você encontrar um cirurgião de endometriose que está tendo sucesso em conseguir resultados duradouros para a maioria das portadoras e sem recorrência ou necessidade de reoperação, então você pode estar certa de que encontrou um bom cirurgião de endometriose.
Nota do editor: Libby Hopton é uma profunda estudiosa da endometriose, e uma ativista na promoção de informações às portadoras da doença. Neste texto, ela explica de forma clara e simples o racional da cirurgia da excisão (ressecção) da endometriose, e quais fatores devem ser avaliados na decisão pela cirurgia e na escolha do cirurgião.
Entendemos que nem todas as portadoras de endometriose precisam ser submetidas à cirurgia.
Porém, quando decidimos por cirurgia, queremos que ela seja única, sem necessidade de reoperações. Daí a grande importância de:
1- Correta identificação PRÉ-OPERATÓRIA de toda a extensão da doença;
2- Correta identificação INTRAOPERATÓRIA de toda a doença;
3- Correta REMOÇÃO DE TODA a doença, valendo-se principalmente da excisão e da vaporização localizada, como muito bem descrito por Libby.
Quando preenchemos estes pré-requisitos, aumentamos nossas chances de sucesso e de tratamento definitivo da endometriose.
Imagem: DepositPhotos/ Caroline Salazar