David Redwine: Endometriose diafragmática – sintomas, diagnóstico e tratamento.

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A endometriose não é uma doença apenas ‘ginecológica’, ela pode acometer qualquer órgão do nosso corpo. Neste texto, postado no blogspot em maio de 2016, o doutor David Redwine explica os sintomas da endometriose no diafragma, como é feito o diagnóstico e a cirurgia deste tipo de endometriose torácica. 

O cientista americano também alerta sobre a importância do (a) ginecologista especialista em endometriose estar atento às queixas da mulher, independentemente de eles serem ginecológicos ou não. 

Por isso, além de uma anamnese detalhada e sem pressa, onde o (a) especialista irá escutar toda história da mulher, é essencial que ele (a) conheça a sintomatologia da doença em diversos órgãos para fazer o diagnóstico correto.

Muitas mulheres reclamam de dor no ombro e são encaminhadas ao ortopedista, adiando o diagnóstico e, consequentemente, o tratamento. Mas será que toda endometriose no diafragma é sintomática?

O cientista americano também aborda os principais sintomas da doença e explica como é a cirurgia e como visualizar toda extensão do diafragma direito, local onde ocorre 95% dos casos, outro conceito idealizado por ele e adotado por cirurgiões no mundo todo. 

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Endometriose Diafragmática: Sintomas, diagnóstico e tratamento.

Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar

Primeiramente descrita por Brews em 1954 [1], a endometriose sintomática do diafragma é rara, com menos de 30 casos relatados em toda a literatura médica mundial (nota da editora: esse número se refere ao número de casos descritos na época que o texto foi publicado pelo doutor Redwine).

A maior parte desses casos está em duas séries [2,3]. O músculo diafragma direito é acometido 27 vezes mais do que o esquerdo. A doença bilateral é rara, ocorrendo em apenas dois de 28 casos entre os 30.

A idade das mulheres com endometriose sintomática do diafragma varia de 19 a 43 anos, com uma idade média de 34 anos. Após o início dos sintomas, pode haver uma demora de vários anos para o seu diagnóstico.

Os sintomas podem ser clássicos e consistem de dor ipsilateral (nota do tradutor: no mesmo lado) no tórax e no ombro que surgem pela primeira vez durante as menstruações.

Com o passar do tempo, os sintomas podem iniciar antes da menstruação, sendo que algumas pacientes têm sintomas leves crônicos que pioram fortemente antes e durante as menstruações.

A dor pode se irradiar para o pescoço ou os braços no lado afetado e simular uma dor muscular. Quando a dor é mais severa, esta pode ser perceptível com a respiração ou ao se deitar.

Raramente, a paciente pode ter que dormir sentada devido à dor e muitas limitarão suas atividades diárias quando a dor estiver em seu pior grau. Calor, massagem e analgésicos são utilizados em um esforço para aliviar a dor.

O diagnóstico da endometriose diafragmática é suspeitado inicialmente pelos sintomas, já que os exames de imagem podem ser negativos. Derrame pleural e pneumotórax são raramente diagnosticados nessas pacientes [4].

A cirurgia é necessária para confirmar a suspeita de doença diafragmática, e essa pode ser feita por laparoscopia. É necessária a visualização de toda a superfície de cada hemi-diafragma.

Uma ótica de laparoscopia posicionada na cicatriz umbilical poderá visualizar apenas a porção anterior do diafragma porque o grande volume do fígado esconde a sua face posterior (Fig. 1).

Enquanto pequenas lesões “sentinelas” podem ser visíveis, a maior parte das lesões sintomáticas estará localizada na metade posterior do diafragma [2]. O diafragma esquerdo pode ser visto praticamente em toda sua extensão.

A mesa cirúrgica pode ser colocada na posição de Trendelenburg reversa (nota do tradutor: com a cabeça mais elevada que os pés) para que o fígado seja deslocado do diafragma, mas ainda assim a metade posterior do diafragma não será visualizada em todas as pacientes.

A melhor maneira de se ver a porção direita posterior do diafragma em sua totalidade é colocando um trocater de 5 mm na região subcostal na linha clavicular média (Fig. 2).

Isso permite que um laparoscópio de 5 mm seja avançado bem mais adiante sobre a cúpula do fígado do que um laparoscópio colocado na punção umbilical, permitindo assim que todo o diafragma seja visualizado (Fig. 3).

A endometriose sintomática do diafragma ocorre como lesões nodulares únicas ou agrupadas que chegam a medir 1,5 cm cada, estendendo-se por até 10 cm na superfície do diafragma, geralmente paralela à parede torácica posterior. Algumas lesões estarão aderidas à superfície hepática adjacente (Fig. 4). 

Figura 1: O hemi-diafragma direito e fígado são vistos com um laparoscópio de 10-mm colocado na punção umbilical. As porções anterior e média do diafragma podem ser vistas, mas o diafragma posterior não é visível. 

Figura 2: Visão externa de um laparoscópio de 5-mm colocado inferiormente à margem costal direita para visualização do diafragma posterior.

Figura 3: Visão laparoscópica demonstrando o quão mais longe um laparoscópio de 5 mm pode avançar pela incisão subcostal. Todo o diafragma pode ser visto.

Figura 4. Endometriose do folheto direito do diafragma com adesões à superfície hepática.

O tratamento cirúrgico requer a realização de laparotomia* (nota: o texto foi escrito mais de 20 anos atrás, hoje utiliza-se a laparoscopia) para obtenção de melhores resultados [2]*. As medicações têm sido ineficazes na maioria dos casos onde foram utilizadas, e a castração pode não resolver todos os sintomas.

O procedimento cirúrgico é simples. Se a doença for unilateral, faz-se uma laparotomia* subcostal no lado afetado. Se houver doença bilateral, faz-se uma incisão mediana epigástrica.

Utiliza-se um afastador na incisão, o fígado é mobilizado inferiormente (Fig. 5), e secciona-se o ligamento falciforme. As lesões superficiais podem ser removidas por ressecção de espessura parcial com eletrocautério ou tesoura (Fig. 6).

Como o diafragma tem apenas alguns milímetros de espessura, e como os nódulos sintomáticos podem ocupar toda a espessura do diafragma [2], a ressecção de espessura total poderá ser necessária.

Pinças longas de Allis são utilizadas para tracionarem o diafragma doente e afastá-lo do pulmão subjacente (Fig. 7). Incisa-se o tecido entre as pinças de Allis junto ao nódulo (Fig. 8), com eletrocautério ou tesoura.

Então, o diafragma sadio ao longo da lesão é incisado em ambos os lados (Fig. 9) até que se penetre na espessura total do diafragma (Fig. 10), e o segmento do diafragma doente seja ressecado (Fig. 11).

Eventualmente, a lesão diafragmática (Fig. 12) pode estar aderida ao pulmão subjacente (Fig. 13). Algumas vezes, são necessárias áreas separadas de ressecção para lesões não contíguas (Fig. 14).

Figura 6: Algumas lesões superficiais do diafragma podem ser removidas por ressecções de espessura parcial.

Figura 7: A ressecção de espessura total do diafragma é necessária para o tratamento da doença sintomática. Um nódulo de endometriose é tracionado com uma pinça de Allis e puxado em direção à incisão abdominal enquanto a caneta do eletrocautério fica pronta para iniciar a dissecção.

Figura 8: Utiliza-se eletrocirurgia para iniciar a ressecção adjacente ao nódulo. Note que um líquido achocolatado é pressionado para fora da lesão cística quando tracionada pela pinça de Allis.

Figura 9: Com o diafragma fortemente tracionado em direção anterior, as lesões demonstradas à direita figura ser isoladas por uma incisão circunjacente.

Figura 10: A incisão rapidamente se torna de espessura total já que o diafragma é bastante fino. A base do pulmão direito é visualizada através do defeito.

Figura 11: O pedaço do diafragma que contém uma parte da lesão endometriótica está quase completamente removido.

Figura 12: A superfície pleural do diafragma pode ser examinada após a penetração em sua espessura total. Neovascularização hemorrágica e nódulos de endometriose são vistos no diafragma.

Figura 13: A base do pulmão direito está aderida à superfície pleural do diafragma direito devido à inflamação causada pela endometriose em toda a espessura do músculo.

Figura 14: Após a completa remoção da doença diafragmática por ressecção de espessura total, um ou mais defeitos terão sido criados.

O laparoscópio pode ser avançado até o interior da cavidade torácica (Fig. 15) para pesquisar eventual endometriose torácica, a qual raramente irá coexistir com a endometriose diafragmática.

Os defeitos no diafragma são fechados com uma sutura contínua de fio permanente (não absorvível). Antes que o último ponto seja fechado, coloca-se um cateter flexível no interior da cavidade torácica e o anestesista infla o pulmão ao máximo enquanto o cateter é removido e a sutura é fechada.

Isso elimina a maior parte de qualquer pneumotórax. Radiografias do tórax não são necessárias no pós-operatório para a paciente assintomática, já que mostrarão um pequeno pneumotórax.

A fluoroscopia pós-operatória da função diafragmática mostrou-se normal em duas pacientes [2], e parece que não há morbidade decorrente da ressecção diafragmática, especialmente considerando-se os graves sintomas presentes antes da cirurgia.

Figura 15: O laparoscópio pode ser avançado para dentro do tórax para a toracoscopia transdiafragmática. A superfície anterior do pulmão direito é vista no terço inferior da figura. A superfície parietal do hemitórax direito é vista na metade superior da figura. O vaso à direita é a artéria torácica interna, também conhecida como artéria mamária interna. Essa artéria é uma continuação da artéria epigástrica inferior que é bem conhecida dos cirurgiões pélvicos.

O alívio dos sintomas após a ressecção da endometriose diafragmática é de praticamente 100% [2], e é muito mais efetiva que a vaporização a laser da endometriose feita pela punção umbilical [3]. 

A menor resposta observada com a vaporização a laser pode ocorrer devido à visualização incompleta das lesões diafragmáticas, e à destruição incompleta. De fato, como 100% dos casos de endometriose diafragmática em uma série foram de doença que acometiam toda a espessura do músculo [2], a ablação térmica parece ser contraindicada.

* Por favor observem, desde que esse artigo foi escrito e publicado, os avanços nas técnicas laparoscópicas agora permitem frequentemente que os cirurgiões tratem a endometriose diafragmática por laparoscopia ao invés de laparotomia. Esse artigo descreve a técnica de ressecção de endometriose do diafragma por laparotomia. Se você estiver vislumbrando cirurgia para remover doença diafragmática, por favor discuta as opções com o seu cirurgião.

Nota do Tradutor: Talvez o principal fator relacionado à endometriose do diafragma é a sua dificuldade diagnóstica.

Na maior parte das vezes, o diagnóstico será feito após um episódio súbito de pneumotórax (ar na cavidade pleural, que reveste os pulmões) ou hemotórax (sangramento na cavidade pleural), quase sempre associados ao período menstrual.

Este é mais um exemplo de como a endometriose “não conhece fronteiras”, e que não pode ser considerada apenas uma doença ginecológica.  Caberá sempre ao ginecologista suspeitar de sintomas atípicos que possam eventualmente ser causados por endometriose, ainda que os sintomas não sejam ginecológicos.

Imagem destaque: doutor David Redwine, mesma do texto
Texto publicado no blog no dia 26 de maio de 2016.

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