A medicina é uma ciência biológica que valida os fatos comprovados cientificamente. Por isso é importante que as evidências encontradas, sejam elas diretas e ou indiretamente, tenham comprovadas sua veracidade para que tal hipótese e ou teoria seja aceita.
E, até hoje, quase 100 anos após a teoria de Sampson, de 1927, ainda não há comprovação da ciência de que o sangue menstrual (endométrio) se implanta e se infiltra nos órgãos e tecidos. Numa corajosa contestação, o doutor David Redwine refuta a teoria da menstruação retrógrada com argumentos sólidos e científicos.
O cientista americano, a meu ver o grande gênio da endometriose, explica após uma extensa revisão de estudos relacionados ao tema, que ainda nenhum cientista conseguiu encontrar semelhanças entre a endometriose e outros autotransplantes conhecidos. Pois se a origem da doença fosse mesmo a menstruação que reflui pelas trompas, ela seria um autotransplante.
E o que já foi provado da doença? Que ela já foi encontrada em fetos na mesma proporção e nos mesmos locais das mulheres adultas, em mulheres nascidas sem útero e que as glândulas e estromas do endométrio do útero (o nativo) não são iguais às encontradas no foco de endometriose.
Este texto, como disse o doutor Alysson Zanatta, na nota do tradutor logo após o brilhante artigo, é destinado aos especialistas, mas tem leitura fácil e deve ser lido por todas as endomulheres, pois quando temos o conhecimento conseguimos decidir o melhor caminho em conjunto com o especialista.
Este é mais um texto exclusivo do blog A Endometriose e Eu que deve compartilhado e lido pelo maior numero de pessoas para que juntas possamos desmistificar a doença e levar uma nova conscientização da endometriose. Beijo carinhoso! Caroline Salazar
Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar
A endometriose é um autotransplante?
Resumo:
Objetivo: a teoria de refluxo da menstruação de Sampson sugere que a endometriose é uma forma de uma condição conhecida como autotransplante. Este estudo busca caracterizar autotransplantes da forma como são discutidos na literatura médica e determinar se a endometriose se parece com um autotransplante.
Desenho do estudo: revisão da literatura dos estudos publicados que contêm os seguintes tipos de informação: (1) caracterização histológica, imuno-histoquímica, ou estrutural dos autotransplantes; e (2) comparações da endometriose com o endométrio eutópico.
Principais Medidas de Resultados: Foram anotadas as características de múltiplos autotransplantes. As similaridades ou não similaridades entre a endometriose e o endométrio foram tabuladas para um julgamento qualitativo se as evidências disponíveis suportam a teoria de que a endometriose é um autotransplante.
Resultado(s): os autotransplantes permanecem muito similares ou idênticos aos tecidos de origem, independentemente do tempo após o autotransplante. A endometriose difere em várias e profundas maneiras do endométrio, incluindo a clonalidade da origem, atividade enzimática, expressão proteica e características histológicas e morfológicas. Uma pequena parte dos estudos encontrou semelhanças entre a endometriose e o endométrio.
Conclusões: endometriose é diferente de endométrio e, portanto, não tem as características de autotransplante. A teoria de Sampson de refluxo menstrual não é ratificada por este estudo. Estudos experimentais sobre endometriose que não tenham usado o endométrio menstrual podem levar a conclusões enganosas.
Introdução:
A endometriose afeta aproximadamente 10% das mulheres (1) e representa uma das doenças humanas mais comuns. A teoria mais aceita sobre sua origem (2) é a teoria de Sampson da menstruação retrógrada.
A versão final da teoria de Sampson (3) propõe que a endometriose ocorre como resultado do refluxo do sangue menstrual através da porção fimbrial das trompas uterinas, este sangue carregando consigo células viáveis do revestimento endometrial que poderiam se aderir às superfícies peritoneais, proliferarem, invadirem, e se tornarem a doença conhecida como endometriose.
Gerações de ginecologistas aprenderam que a endometriose é simplesmente o endométrio normal localizado fora do útero, que é idêntico ao endométrio normal e que responde normal e previsivelmente ao ciclo hormonal ovariano.
A endometriose representaria, portanto, um autotransplante no qual um tecido é transplantado para localizações ectópicas em um mesmo organismo. A ideia de que a endometriose seja um autotransplante levanta a questão “Qual é a natureza dos autotransplantes?”.
A literatura relevante sobre autotransplantes foi revisada para identificação da natureza dos autotransplantes. Os estudos que comparam a endometriose ao endométrio tópico foram revisados para ajudar a responder a importante questão “A endometriose é um autotransplante?”
Materiais e Métodos:
Foi conduzida uma busca na base de dados científica MedLine na língua inglesa a partir de 1966 com palavras-chave como: autoenxerto, autotransplante, endométrio + endometriose, histologia, teoria de Sampson, menstruação retrógrada, endometriose + enxerto ou endometriose microscópica.
Além disso, foram pesquisados resumos mensais e artigos relacionados sobre endometriose fornecidos por uma biblioteca médica desde 1988 até o presente. Finalmente, as referências dos artigos pesquisados foram revisadas na busca por trabalhos adicionais relacionados.
Para este estudo, foram lidos mais de 200 trabalhos da literatura ginecológica e sobre autotransplante. Os trabalhos sobre autotransplante foram incluídos caso eles contivessem comparações funcionais, morfológicas, histológicas ou outras, entre o tecido autotransplantado e o tecido em localização nativa.
A intenção era determinar o quanto o autotransplante se assemelha ao tecido eutópico de origem. Os trabalhos da literatura ginecológica foram incluídos se eles claramente identificassem um estudo comparativo entre a lesão de endometriose e o endométrio tópico de uma mesma paciente ou do endométrio normal de um grupo controle.
Tais estudos comparativos indicariam o quanto a endometriose se assemelha ao endométrio. Para essa revisão de literatura não foi buscada aprovação de comitê de ética.
Resultados:
Qual é a natureza de um autotransplante?
Um autotransplante é um tecido transplantado de um local para outro local no mesmo organismo, devido a um processo patológico ou à uma intervenção cirúrgica. Autotransplantes não necessitam de imunossupressão para existirem.
Apesar de poder haver uma presunção razoável de que os autotransplantes deveriam permanecer essencialmente iguais ao tecido eutópico, tais transplantes poderiam possivelmente ser afetados pela passagem do tempo, interrupção do aporte sanguíneo normal, indisponibilidade de precursores bioquímicos, infecção, ataque do sistema imune, ou fatores desconhecidos que poderiam alterar sua imuno-histoquímica ou mudá-los morfológica, histológica ou bioquimicamente.
Ou então, tal tecido poderia permanecer inalterado em sua nova localização não afetado por nenhum dos fatores acima. Os autotransplantes existem na forma de doenças humanas, como tratamentos e como modelos experimentais de endometriose.
… um autotransplante é um tecido transplantado de um local para outro local no mesmo organismo, devido a um processo patológico ou à uma intervenção cirúrgica…
Autotransplantes como doenças humanas:
A síndrome do ovário remanescente (SOR) é uma complicação tardia de uma ooforectomia (nota da editora: retirada de um ou ambos os ovários) difícil [4] na presença de aderências periovarianas, na qual fragmentos do ovário ficam para trás e podem ser estimulados pelos hormônios pituitários.
Apesar de não dispor de uma vascularização normal, os autotransplantes de SOR podem responder normalmente aos hormônios pituitários [5,6,7], retendo a habilidade de produzirem estradiol suficiente para inibir os sintomas da menopausa [8] e para formarem cistos funcionais que podem ser sintomáticos [9,10].
O exame microscópico do tecido causador da SOR revela estruturas ovarianas inteiramente normais, incluindo o corpo lúteo, cistos foliculares, e oócitos [11, 12, 13], que podem persistir em humanos por até 5 [11] a 10 anos [12].
Esplenose refere-se a partículas macroscópicas de tecido esplênico que se aderem mais comumente a superfícies abdominais ou torácicas após uma ruptura traumática do baço. A esplenose pélvica pode ser causa de dor pélvica e pode ser confundida com endometriose [14, 15].
As características histológicas de tais autotransplantes esplênicos são normais, independentemente do local que ocorreu o autotransplante [16, 17, 18, 19, 20, 21, 22], que pode incluir a pelve [14, 15, 23, 24, 25, 26].
As características histológicas podem permanecer normais durante décadas após o autotransplante [16], apesar de variações ocasionais na macro-arquitetura terem sido descritas, incluindo trabéculas e polpa branca [27] pobremente desenvolvidas.
A regeneração de tecido esplênico normal a partir de pequenos fragmentos esplênicos [28] pode ser responsável pela resposta normal imunobiológica anti-infecciosa que pode ser encontrada em alguns [29, 30] mas não todos [31] os pacientes com esplenose.
Autotransplantes como tratamentos:
Autotransplantes terapêuticos dependem que o autotransplante retenha todas ou a maioria de suas características e funções intrínsecas.
Autotransplantes externos como enxerto de pele, transplantes de cabelo e substituição de dedos após uma amputação não serão discutidos, já que é intuitivamente claro que o autotransplante permanece idêntico ao tecido eutópico.
Exemplos de autotransplantes internos incluem transplantes de medula adrenal para o cérebro na doença de Parkinson, transplante de valva pulmonar para o tratamento de doença aórtica valvar, e transplante de fitas de tecido ovariano para o antebraço.
O autotransplante de células cromafinas adrenais para o cérebro é realizado para o tratamento da doença de Parkinson avançada.
Estudos imuno-histoquímicos de autópsia do tecido transplantado realizados 4 meses após a cirurgia mostram que as células transplantadas retêm a habilidade intrínseca de expressarem proteína ácida glial fibrilar, cromoganina A e subunidades de neurofilamentos, apesar de não terem a capacidade de produzirem a enzima tirosina hidroxilase [32].
Os investigadores especulam que a falta de expressão de tirosina hidroxilase pode ser devida à interrupção do mecanismo parácrino regulador normal que existe na glândula adrenal intacta. A substituição da valva aórtica por uma pulmonar autotransplantada é realizada desde 1967 para o tratamento de doença aórtica valvar severa [33].
O índice de sobrevivência é bom [34] e depende da manutenção da função e morfologia valvares normais, o que pode ser interpretado como evidência de características anatômicas e histológicas normais.
Uma boa taxa de sobrevivência dos pacientes por até 26 anos é documentada após a cirurgia. Autotransplantes pulmonares retirados tardiamente mostraram uma notável preservação da viabilidade celular e da arquitetura tecidual, tanto macroscópica como histologicamente [35].
Fitas de córtex ovariano têm sido autotransplantadas no antebraço de mulheres que necessitam se submeter à radioterapia pélvica por câncer ou castração devido a aderências. Tais autotransplantes funcionam normalmente, apesar da ausência de um suprimento vascular [36], semelhante à SOR.
Endometriose experimental em animais como um modelo de doença por autotransplante:
Autotransplantes experimentais, assim como transplantes xenólogos de humanos para camundongos, têm sido usados em modelos animais para o estudo da endometriose e de seu tratamento clínico e cirúrgico.
Esses autotransplantes são tipicamente feitos no camundongo pela obtenção de fragmentos picados de endométrio eutópico que são injetados intraperitonealmente ou implantados cirurgicamente no retroperitôneo, em algum lugar da cavidade abdominal.
Isso resulta em endometriose experimental, a qual é descrita como similar ao endométrio nativo com características histológicas normais e respostas hormonais normais [37].
A criação desses autotransplantes como modelos experimentais da endometriose é a manifestação mais forte da crença de que a endometriose é igual ao endométrio nativo (endométrio do útero). A endometriose experimental já foi induzida em humanos, primatas, coelhos, ratos e camundongos.
Em um modelo humano de endometriose experimental, o sangue menstrual foi injetado autologamente no tecido gorduroso subcutâneo de parede abdominal inferior em oito mulheres [38], resultando em achados típicos de glândula e estroma endometriais em uma mulher.
A endometriose nesta paciente não foi caracterizada em detalhes. Em um relato de caso [39] foi descrita endometriose iatrogênica em uma mulher após um procedimento de Estes para infertilidade devido a trompas uterina obstruídas.
No procedimento de Estes, remove-se uma parte da parede uterina, criando-se uma janela na qual o ovário é suturado para se permitir uma ovulação intrauterina.
Esta janela não seria necessariamente considerada impermeável, e neste caso a endometriose foi observada ao redor da incisão uterina durante a reoperação, mas não no fundo de saco.
Entretanto, não está claro neste estudo se um pequeno depósito observado em um dos ligamentos redondos havia sido percebido na primeira cirurgia.
Outros primatas além de humanos foram objetos de vários estudos de endometriose experimental. Notou-se que o endométrio autólogo enxertado na câmara anterior dos olhos de 41 macacos rhesus permaneceu viável caso uma vascularização fosse estabelecida em 24 horas.
O endométrio ectópico respondeu normalmente aos hormônios endógenos e exógenos. Apesar da descamação deste endométrio ter sido observada milhares de vezes durante os 432 ciclos menstruais avaliados, o endométrio descamado nunca se implantou em nenhuma outra localização dentro do olho.
A endometriose experimental induzida em macacos pela injeção de endométrio fragmentado no retroperitôneo abdominal demonstrou glândulas e estroma típicos, com nenhuma variação na altura das células colunares [41].
O endométrio nativo não menstrual autotransplantado sobreviveu por mais de 26 dias em seis dos 7 macacos rhesus [42] com glândulas e estroma típicos e epitélio glandular com altura consistente na comparação intralesional, apesar das glândulas terem variado de alguma forma em tamanho.
Dez macacos foram objetos de um famoso experimento [42] no qual o fundo uterino foi separado do colo e o útero rodado 180º de modo que o topo do fundo uterino pudesse ser suturado ao colo ou vagina para manter o útero em sua nova posição: de cabeça para baixo.
Isso permitiu que o sangue menstrual saísse diretamente para a porção média da cavidade abdominal entrando em contato direto com as alças intestinais.
Em reoperações periódicas ao longo de vários anos, 5 macacos desenvolveram aderências maciças entre o intestino e o coto do útero invertido, e endometriose foi encontrada nessas aderências e na fibrose.
Apenas um desses macacos teve endometriose longe do local cirúrgico, e as características histológicas de uma lesão do peritônio da parede abdominal lateral direita foram interpretadas como normais, apesar de haver elementos glandulares de tamanho consistente e células colunares de altura consistente.
Nenhum dos outros 5 macacos desenvolveu endometriose e nenhuma endometriose foi descrita na porção mais dependente da pelve (fundo de saco de Douglas) de qualquer animal.
A endometriose experimental em coelhos criada pela implantação de fragmentos de tecido endometrial é histologicamente semelhante ao endométrio eutópico [43, 44, 45] com epitélio colunar glandular bem desenvolvido que mostra altura glandular consistente [46] e proteínas similares àquelas encontradas no endométrio eutópico [47].
Alguns ressaltaram que o uso de fragmentos teciduais relativamente grandes seria muito semelhante ao endométrio eutópico do coelho [48] ou ratos [49], apesar de ter sido ocasionalmente observado uma variabilidade nas características histológicas dos elementos glandulares da endometriose experimental de coelhos chinchila [50].
Por causa dessa dúvida e também porque os fragmentos teciduais não se assemelharam morfologicamente ao endométrio eutópico, suspensões com células endometriais dispersadas foram injetadas no peritônio de coelhos [48] e observou-se que essas produziram lesões com alterações glandulares características.
A endometriose experimental, que é produzida em ratos ou pela sutura de endométrio nativo às superfícies peritoneais ou mesentério [51] ou pela sua inserção sob a cápsula renal, permanece histologicamente normal quando comparada ao endométrio eutópico, além de manter sua habilidade de responder histologicamente normal aos níveis de estrogênio circulantes [53].
Em outro modelo com ratos, a endometriose experimentalmente induzida não diferiu histologicamente do endométrio nativo [54].
Os investigadores também induzem endometriose experimental em um modelo de enxerto xenólogo de camundongo mais comumente pela injeção de endométrio humano não menstrual dentro da cavidade peritoneal de camundongos severamente imunodeficientes (SID).
A endometriose experimental em camundongos SID mantém as respostas histológicas, hormonais e funcionais específicas assim como as propriedades bioquímicas do endométrio nativo eutópico [55, 56]; entretanto, em um estudo, todos os transplantes reverteram para um padrão proliferativo independente do padrão original do ciclo dos enxertos, incluindo endométrio menstrual [57].
Lesões peritoneais de endometriose experimental foram visíveis a olho nu em tais camundongos SID em apenas alguns dias após a injeção [57, 58], com uma aparência histológica e características imuno-histoquímicas similares ao endométrio eutópico. Outros investigadores relataram dificuldades em enxergar tais pequenas lesões a não ser que fossem marcadas com corante fluorescente [59].
A partir das observações acima parece que os autotransplantes em humanos ou animais tipicamente permanecem normais em estrutura, função, morfologia, histologia e resposta hormonal. A continuidade da função normal desse tecido é um benefício frequente ao paciente no caso de autotransplantes terapêuticos.
Os autotransplantes parecem não ser atacados em sua nova localização por qualquer fator local ou humoral detectado, nem parecem se transformar de maneira profunda. Os autotransplantes podem permanecer similares ou idênticos ao tecido eutópico por décadas.
… os autotransplantes em humanos ou animais tipicamente permanecem normais em estrutura, função, morfologia, histologia e resposta hormonal …
A endometriose é um autotransplante?
Se a endometriose é um autotransplante seria de se esperar que ela fosse similar ou idêntica ao endométrio menstrual – ou ao menos ao endométrio eutópico – porque essa é a natureza de um autotransplante.
Há muitos estudos comparando a endometriose com o endométrio da mesma paciente ou com o endométrio de controles normais.
Esses estudos compararam níveis de receptores hormonais e a natureza histológica, morfológica e biológica da endometriose em níveis crescentes de sofisticação. Esses estudos, que são muito numerosos para serem detalhados, são resumidos na Tabela 1 [60-107].
Tabela 1: Diferenças entre endometriose e endométrio eutópico em humanos:
Característica comparação: primeiro autor (referência) | Endometriose | Endométrio |
Ciclicidade de receptores de estrogênio; Gould [ 60 ] | Ausente | Presente |
Estrogênio da fase secretora que se liga ao estroma; Gould [ 60 ] | Presente | Ausente |
Receptores de hormônios sexuais; Tamaya [ 61 ], Janne [ 62 ], Bergqvist [ 63 ], Lessey [ 64 ], Nisolle [ 65], Bergqvist [ 66 ] | Baixa-variável | Normal |
Receptores de hormônios sexuais; Jones [ 67 ] | Alto | Normal |
Níveis de receptor hormonal pós-menopausa; Toki [ 68 ] | Superior | Baixar |
Histologia cíclica normal; Metzger [ 69 ] | Ausente | Presente |
Diferenciação cíclica; Metzger [ 69 ] | Ausente | Presente |
Sincronicidade tecidual endometrial de acordo com a fase, específica por paciente; Metzger [ 69 ] | Variável | Específico por fase |
Variação glandular ou estromal Intralesional; Redwine [ 70 ] | Presente | Ausente |
Metaplasia Fibromuscular, doença profunda; Cullen [ 71 , 72 , 73 , 74 ], Sampson [ 75 ], Fallon [ 76], Nisolle [ 77 ] | Presente | Ausente |
Morfologia cística; Sampson [ 78 ], Nezhat [ 79 ] | Possíveis no ovário | Ausente |
Perda de heterozigozidade; Jiang [ 80 ], Jimbo [ 81 ] | Presente | Ausente |
Expressão cíclica de tenascina; Harrington [ 82 ] | Ausente | Presente |
Receptores de fibronectina; Beliard [ 83 ] | Presente | Ausente |
Integrina alfa-3; Regidor [ 84 ] | Maior | Ausente |
Integrina alfa-3; Rai [ 85 ] | Positivo | Negativo |
Integrina alfa 6; Rai [ 85 ] | Negativo | Positivo |
E-caderina, mRNAs alfa / beta-catenina; Fujimoto [ 86 ] | Anormal, baixo | Normal |
Apoptose de endométrio eutópico; Gebel [ 87 ] | Menor | Normal |
Apoptose em pacientes com endometriose; Dmowski [ 88 ] | Menor | Normal |
Expressão de aromatase; Leyendecker [ 89 ], Kitawaki [ 90 ] | Presente | Ausente |
Proliferação de células do estroma, devido à interleucina 6; Yoshioka [ 91 ] | Não inibida | Inibida |
Secreção de Interleucina 6; Tseng [ 92 ] | Fortemente presente | Presente |
Antagonista do receptor de interleucina 1 em glândulas; Sahakian [ 93 ] | Sempre ausente | Normalmente presente |
Linfócitos granulados; Jones [ 94 ] | Ausente | Presente |
Células T ativadas; Witz [ 95 ] | Maior | Normal |
Expressão de intérferon gama; Klein [ 96 ] | Maior | Normal |
17-OH esteróide desidrogenase; Zeitoun [ 97 ] | Ausente | Normal |
Produção de gelatinase A; Wenzl [ 98 ] | Maior | Normal |
Enzima proteolítica catepsina D; Bergqvist [ 99 ] | Maior | Normal |
Matriz metaloproteinase 1 perimenstrual; Kokorine [ 100 ] | Presente | Ausente |
Matriz metaloproteinase -7, invasão estimulada por proteína; Rodgers [ 101 ] | Presente | Ausente |
Ativador de plasminogénio tipo uroquinase; Bruse [ 102 ] | Maior | Normal |
Fator de crescimento endotelial vascular em lesões pretas; Donnez [ 103 ] | Reduzido | Normal |
Transcriptos do gene CYP1A1; Starzinski-Powitz [ 104 ] | Elevados 8,7 vezes | Normal |
Proteína-I de endometriose (ENDO-I); Piva [ 105 ] | Maior | Normal |
Expressão de Bcl-2; Watanabe [ 106 ] | Não cíclico | Cíclico |
Resposta de síntese proteica e DNA de células do estroma ao fator de crescimento endotelial; Mellor [ 107 ] | Maior | Grande aumento |
Relativamente poucos estudos encontraram semelhanças entre a endometriose e o endométrio (Tabela 2).
Alguns desses estudos avaliaram parâmetros muito sofisticados que podem atingir comparações além da endometriose com o endométrio, podendo estar simplesmente abordando a natureza essencial de todos os tecidos vivos.
Com a minúcia e o foco das investigações laboratoriais de uma doença aumentando cada vez mais, os resultados podem não se aplicar a todo o espectro daquela doença devido a um viés de seleção.
Tabela 2: Semelhanças entre endometriose e endométrio eutópico em humanos
Característica comparação: primeiro autor (referência) | Endometriose | Endométrio |
Fator de crescimento endotelial vascular em lesões vermelhas; Donnez [ 103 ] | Presente | Presente |
Fatores de ativação relacionados com as dioxinas, genes-alvo; Bulun [ 108 ] | Presente | Presente |
Colágeno tipo I, III, IV; Stovall [ 109 ] | Presente | Presente |
Componentes do complemento vascular tecidual; D’Cruz [ 110 ] | Presente | Presente |
Fatores de crescimento de fibroblastos ácidos e básicos; Ferriani [ 111 ] | Presente | Presente |
Queratinas 5,7,8,14,18,19; Kruitwagen [ 113 ] | Presente | Presente |
Expressão da molécula de adesão celular; Bridges [ 114 ] | Presente | Presente |
Doença “microscópica” invisível com magnificação; Redwine [ 115 ] | Ausente | Ausente |
Discussão:
Foi necessário um certo grau de precaução para a interpretação da literatura aqui revisada. Por exemplo, a literatura a respeito da SOR e da esplenose pode não estar completa caso uma possível população de casos “silenciosos” não tiver sido relatada.
Os casos podem não ter sido diagnosticados devido à falta de sintomas e as suas condições podem ter diferido profundamente daquelas do tecido eutópico.
Tal população não diagnosticada poderia teoricamente diferir significativamente da impressão que surge dessa revisão de literatura sobre os autotransplantes como doenças.
Entretanto, a existência de tal população é especulativa e o peso das evidências disponíveis indicam que os autotransplantes como doenças permanecem largamente similares ou idênticos ao tecido eutópico.
Além disso, o endométrio menstrual não foi utilizado em grande parte dos estudos de endometriose experimental em animais, em parte porque muitas das espécies estudadas não têm um ciclo menstrual.
Portanto, poderia ser argumentado que os estudos de endometriose experimental em animais que não utilizam endométrio menstrual são irrelevantes porque eles não reproduzem o suposto efeito causador da doença assumido como a causa em humanos.
Isto é, o endométrio menstrual refluindo pela porção final fimbriada das trompas uterinas e aderindo-se às superfícies peritoneais, proliferando, invadindo e se transformando na doença conhecida como endometriose.
Parece que ou os pesquisadores consideraram impertinente o uso do endométrio menstrual para o estudo da endometriose experimental ou que muitos pesquisadores simplesmente não consideraram em nada a sua importância.
Em qualquer das situações, a evidência apresentada parece ser a única evidência disponível e, portanto, deve ser aceita pelo seu valor de face. Dadas os percalços citados acima, a resposta à questão “A endometriose é um autotransplante”? poderia, argumentativamente, ser não.
Um autotransplante é muito semelhante ou idêntico ao tecido em sua localização nativa e pode permanecer normal em estrutura e função por décadas. Ao contrário, há múltiplas e profundas diferenças entre a endometriose e o endométrio nativo.
Os estudos que mostram similaridades entre ambos são uma minoria distinta. O balanço das evidências sugere que a endometriose não é simplesmente um endométrio fora do lugar como seria esperado em uma doença por autotransplante.
Há apenas duas possíveis explicações para tal incongruência. Ou o endométrio nativo é profundamente danificado em algum lugar entre a sua origem eutópica e o eventual estabelecimento da doença ou a endometriose não se origina do endométrio nativo em um primeiro momento, mas sim como uma proveniência distinta.
… o balanço das evidências sugere que a endometriose não é simplesmente um endométrio fora do lugar como seria esperado em uma doença por autotransplante. Há apenas duas possíveis explicações para tal incongruência. Ou o endométrio nativo é profundamente danificado em algum lugar entre a sua origem eutópica e o eventual estabelecimento da doença ou a endometriose não se origina do endométrio nativo em um primeiro momento…
Quanto à primeira possibilidade de dano tecidual durante o trajeto à cavidade peritoneal, é teoricamente possível que a ação biológica da menstruação danifique o endométrio normal de várias maneiras (veja Tabela 1).
Entretanto, é difícil de conceber que a simples descamação de um tecido que era uma vez normal seria causa para que fosse tão “anormal”, e tal fato é apenas uma especulação. Tais diferenças requerem uma explicação para sua origem.
De fato, em estudos de endometriose experimental que utilizaram endométrio menstrual, o enxerto resultante foi caracterizado como normal [38, 57]. Portanto, a evidência disponível sugere que a menstruação não é o agente danificador.
Poderia o dano tecidual em rota ser causado por outro agente?
Não há nenhum motivo para suspeitar que o endométrio normal ou menstrual poderia ser danificado durante a sua jornada retrógrada para se aderir à superfície pélvica ou após a proliferação e a invasão supostamente ocorrerem.
Parece não existir nenhum mecanismo plausível que explique porque tal dano tecidual ocorreria durante a passagem retrógrada dessas células.
De fato, um braço moderno da teoria da menstruação retrógrada sustenta que mulheres destinadas a terem endometriose teriam sistemas imunes deficientes que não poderiam identificar ou se defenderem contra o endométrio refluído no primeiro momento [116, 117, 118].
Um tal sistema imune deficiente pouco provavelmente poderia danificar células endometriais e modificá-las de todas as maneiras já identificadas, mas é difícil identificar um sistema alternativo capaz de produzir tal dano.
Representariam uma grande convolução à teoria de Sampson, tais danos profundos obrigatórios ao endométrio nativo por um suposto processo não identificado durante o trânsito pelas trompas de Falópio e com efeitos tóxicos resultantes de larga escala e que também teriam ramificações profundas para a embriotoxicidade.
…não há nenhum motivo para suspeitar que o endométrio normal ou menstrual poderia ser danificado durante a sua jornada retrógrada para se aderir à superfície pélvica, ou após a proliferação e a invasão supostamente ocorrerem…
A medicina baseada em evidências está ganhando importância como deveria ser. Nós na era moderna temos vantagens intelectuais e científicas que resultaram na compilação das evidências científicas sobre a endometriose que não eram disponíveis às gerações anteriores de clínicos, pesquisadores e proponentes das teorias de sua origem.
Como nós usaremos essas evidências? Está claro que a endometriose não poder ser considerada simplesmente um endométrio fora do lugar. Esta ideia, categoricamente aceita como um dos pilares da teoria de Sampson sobre sua origem, deve ser descartada.
… está claro que a endometriose não pode ser considerada simplesmente um endométrio fora do lugar. Esta ideia, categoricamente aceita como um dos pilares da teoria de Sampson sobre sua origem, deve ser descartada… parei aqui
Dadas as diferenças entre a endometriose e o endométrio, a continuidade da aceitação da teoria de Sampson para a origem da endometriose deve ser questionada. Os proponentes da teoria de Sampson observaram essas múltiplas e profundas diferenças, mas não as explicaram.
A prova mais simples da teoria de Sampson seria providenciar uma abundante quantidade de microfotografias em humanos da adesão inicial do endométrio menstrual às superfícies peritoneais com a demonstração adicional de proliferação e invasão secundárias.
Isso ainda não foi feito, apesar da crença que a adesão, proliferação, e invasão ocorrem bilhões de vezes ao redor do mundo.
Independente de quanto tempo o endométrio refluído permaneceria aderido ao peritônio antes da invasão, um número suficiente de biópsias foi obtido ao longo dos anos para que esse evento tivesse sido provado conclusivamente, assim como os eventos não provados de invasão peritoneal e proliferação retroperitoneal.
Existe abundante evidência de microfotografias da endometriose estabelecida, mas nenhuma explicação satisfatória porque os eventos que a precedem não puderam ser fotografados em humanos.
E agora a teoria de Sampson também tem que fornecer uma explicação porque o suposto autotransplante conhecido como endometriose difere tão profundamente do endométrio nativo e de outros autotransplantes. A nossa profissão e as mulheres não podem esperar muito mais tempo por essas respostas.
… a teoria de Sampson também tem que fornecer uma explicação porque o suposto autotransplante conhecido como endometriose difere tão profundamente do endométrio nativo e de outros autotransplantes. A nossa profissão e as mulheres não podem esperar muito mais tempo por essas respostas…
Nota do tradutor: A teoria mais aceita para explicar a origem da endometriose é a da menstruação retrógrada (proposta por Albert Sampson em 1927), segundo a qual células da menstruação refluiriam pelas trompas uterinas e se implantariam nos órgãos da pelve, causando a doença.
Há uma grande e crucial crítica à essa teoria: ela jamais foi provada cientificamente.
Neste artigo, destinado à classe médica, mas perfeitamente compreensível pela população geral, o doutor David Redwine contesta a teoria da menstruação retrógrada com argumentos sólidos e científicos.
O doutor Redwine, parafraseando o histórico médico romano Claudius Galeno (170 d.C), diz que “devemos acreditar apenas no que pudermos comprovar experimentalmente”. E nem o doutor Redwine ou qualquer outro cientista moderno pode comprovar diretamente a teoria da menstruação retrógrada.
Para o seu questionamento, o argumento do doutor Redwine é relativamente simples: se a endometriose fosse causada pela menstruação, ela seria um autotransplante. Ou seja, seria um tecido transplantado de uma parte do corpo (o útero) à outra (órgãos da pelve).
Porém, após uma extensa revisão de estudos relacionados ao tema, o doutor Redwine não conseguiu encontrar semelhanças entre a endometriose e outros autotransplantes conhecidos.
Além disso, ele destaca que a maioria dos estudos não utilizou células de menstruação humana (o que se esperaria para provar a teoria da menstruação retrógrada), provavelmente por questões técnicas e éticas.
Em um único estudo desse tipo realizado na década de 1950, os pesquisadores conseguiram “produzir” endometriose em apenas uma de oito mulheres após a injeção de sangue menstrual, ainda que essa endometriose não tenha sido perfeitamente caracterizada. Nos dias de hoje, tal estudo seria considerado antiético.
Nós médicos e pesquisadores ainda não conseguimos produzir em laboratório a endometriose profunda, aquela que forma nódulos e que é constituída principalmente por músculo liso.
A teoria de Sampson também não explica a endometriose em mulheres que nasceram sem útero (agenesia uterina), em crianças e em fetos. Apesar disso, doutor Redwine destaca que “gerações de ginecologistas” são ensinadas que a endometriose é causada pela menstruação.
Sampson, um gênio à sua época com o grau de evidência que dispunha, produziu uma teoria que hoje é o maior atraso aos avanços no entendimento e tratamento da doença. Não por culpa sua, mas por nosso único e exclusivo costume de acreditarmos em tudo que nos falam, sem maiores questionamentos.
Como diz o ditado, “uma mentira repetida várias vezes pode se tornar uma verdade”. Cabe a todos nós interromper essa mentira, ainda que demore outras gerações. Forte abraço, Alysson.
Texto publicado no blogspot em 23 de abril de 2015
Foto: Caroline Salazar