A desinformação sobre a endometriose, além de atrasar o diagnóstico e impedir o tratamento completo da doença, também dá a entender que a culpa de a mulher ter e ou sofrer com a doença seja dela.
E uma das teorias que corrobora para isso é a autoimune, que atribui ao sistema imunológico da mulher a ‘culpa’ por ela ter endometriose. Quantas vezes já me senti culpada? Quantas vezes não me perguntei a Deus, por que eu?
Claro que ninguém vai achar que alguém escolheria ter uma doença autoimune ou realmente ‘culpar’ a paciente. Afinal ninguém faz isso com outras doenças autoimunes. Mas, no caso da endometriose, há um certo machismo ao culpar a menstruação, resultado da fisiologia eminentemente feminina.
Historicamente a menstruação foi tratada como um bicho de sete cabeças. Quem aí nunca ouviu como não pode comer algo (como, por exemplo, limão) menstruada ou não pode lavar o cabelo ou andar descalça?
A própria expressão “estar de chico” para se referir ao período menstrual da mulher se origina da palavra chico, que em Portugal é sinônimo de porco, um animal ligado pelo senso comum à sujeira e imundice. Igualmente a expressão “estar de bode”, também tido como um animal sujo e que não toma banho.
Não tem nada pior do que sofrer horrores com os sintomas e as consequências da endometriose e ainda se sentir culpada por ter uma doença tão devastadora.
Depois comecei a estudar a endometriose por um novo ângulo passei a entender que a tal teoria autoimune não se sustenta e que ela ainda afirma que a teoria da menstruação retrógrada está certa, mesmo sem provas científicas.
Também descobri que 90% das mulheres têm menstruação retrógrada e ‘apenas’ 10 a 15% delas têm endometriose. Uma porcentagem muito pequena quando pegamos a fatia de 90%, não? A meu ver se fosse uma doença autoimune certamente teria muito mais mulheres e essa porcentagem seria muito maior.
É mais um texto para ler, refletir e estudar. Não dá para continuar reproduzindo mitos que não levam a nenhum caminho. Se em quase 100 anos uma teoria ainda não foi provada, por que não começar a levar em conta o que já foi confirmado pela ciência?
Ao menos é preciso abrir a mente e considerar outras possibilidades, como a teoria embrionária, que possui provas científicas.
São milhões de vidas sofrendo, são milhões de vidas que estão sendo ceifadas de viver enquanto, são milhões de vidas ‘presas’ num corredor de uma prisão perpétua por conta dos mitos que ainda são perpetuados.
E se fosse sua filha, o que você faria? Pense nisso! Em breve colocarei um texto autoral para continuar essa reflexão. Beijo carinhoso! Caroline Salazar
Sistema imunológico e endometriose!
Por doutor David Redwine
Tradução: Caroline Cardoso
Nota e edição: doutor Alysson Zanatta
Você provavelmente leu muito sobre sistema imunológico e endometriose. Se, depois de ler algum dos artigos científicos sobre o assunto você ficou confusa, então bem-vinda ao clube.
A literatura sobre sistema imunológico e endometriose é esotérica, confusa, e frequentemente contraditória.
Além disso, a literatura sobre este assunto costuma cometer o pecado número 4 da literatura sobre endometriose: as conclusões geralmente são inclinadas para tentar apoiar a teoria de Sampson, a menstruação retrógrada como a origem da doença.
“Os pecados da literatura sobre a endometriose”, por Dr. David Redwine
- Falta de conhecimento sobre as múltiplas aparências visuais (entenda mais sobre o assunto no texto “A aparência visual da endometriose e o seu impacto sobre os nossos conceitos da doença”);
- Atenção direcionada para a infertilidade e não para a dor;
- Conclusões baseadas em resposta dos sintomas e não em resposta à doença;
- Tentativa de apoiar, a todo custo, a teoria de Sampson, a da menstruação retrógrada, apesar da ausência de evidências para a adesão inicial;
- Os resultados da terapia cirúrgica são aqueles da opinião do cirurgião, não validados por biópsias ou estudos de acompanhamento.
Uma revisão do sistema imunológico:
Vamos rever um pouco sobre o sistema imunológico. Ele é o sistema funcional de nossos corpos que diferencia o eu do não-eu usando certas características na superfície de uma célula.
Ao “sentir” uma célula, o sistema imunológico determina se ela pertence a uma determinada área ou não. Se não pertence, o sistema imunológico entra em ação para eliminar a célula estranha.
Essas ações são amplamente controladas pelos glóbulos brancos, embora os anticorpos circulantes também sejam importantes.
Alguns glóbulos brancos têm a capacidade de matar células estranhas imediatamente, enquanto outros devem ser recrutados e treinados para matar invasores.
Os glóbulos brancos recrutados são chamados ao local da batalha por substâncias químicas liberadas por tecidos lesionados ou por outros glóbulos brancos.
Enquanto envolvido em batalhas locais, o corpo também organiza uma reação mais sistêmica, com substâncias aparecendo na corrente sanguínea em reação a inflamações e lesões.
Assim, um cientista tem a capacidade de medir as principais variedades de respostas imunes normais a lesões: grupos de glóbulos brancos, bem como hormônios e substâncias inflamatórias locais e sistêmicas.
Efeitos primários ou secundários?
Obviamente, o sistema imunológico é importante em tudo o que ocorre no corpo, e pode-se esperar mudanças com qualquer alteração no estado de saúde.
O problema é tentar determinar se as alterações do sistema imunológico encontradas com a endometriose são primárias (o que significa que você nasceu com elas) ou secundárias (o que significa que são o resultado de uma lesão devido à endometriose), ou talvez, um pouco de ambas.
Meu palpite é que acontece um pouco de ambas, com o dano real resultante do pecado número 4. A atividade diminuída das células natural-killers, relatada especialmente nos estágios avançados da endometriose, parece ser um defeito primário, pois parece permanecer mesmo após o tratamento da endometriose.
A produção local e sistêmica de produtos químicos reativos parece ser secundária a inflamações e lesões, uma vez que o sistema imunológico está apenas fazendo seu trabalho.
Por que seria surpreendente que mulheres com um processo tão irritativo como a endometriose em sua pelve tenham mais células inflamatórias, substâncias químicas e fluidos em suas cavidades pélvicas?
No entanto, essas respostas normais do sistema imunológico são interpretadas como sendo, de alguma forma, importantes na origem imune da endometriose, ao invés de apenas o sistema imunológico fazendo o seu trabalho habitual.
Verificou-se que substâncias que afetam adversamente o sistema imunológico, como dioxina ou radiação, estão associadas a um aumento da frequência e severidade da endometriose em experimentos com animais, embora um relatório recente não tenha encontrado um efeito de bifenilos policlorados em macacos.
Contudo, toxinas ambientais como essas são principalmente produtos do final do século XX, e sabe-se que a endometriose existe muito antes disso.
Como supõe-se que o sistema imunológico permita a endometriose:
Veja como as pessoas estão tentando colocar o pino redondo do sistema imunológico no buraco quadrado de origem da endometriose.
A teoria é que, durante o fluxo menstrual mensal, algumas células endometriais do revestimento do útero são jogadas com sangue menstrual para as trompas de falópio.
O sangue e as células gotejam na pelve, onde as células endometriais se ligam às superfícies peritoneais, auxiliadas e estimuladas por um sistema imunológico deficiente.
Postula-se que mulheres “normais”, com sistemas imunológicos “normais”, têm um tipo de guerra imunológica em andamento que permite que seus sistemas imunológicos matem as células refluídas.
A pergunta óbvia aqui seria: alguém encontrou evidências de tal guerra imunológica na pelve de “mulheres normais”, uma vez que esse suposto processo desempenha um papel tão importante na teoria do sistema imunológico e da endometriose?
Não se incomode em fazer tal pergunta, ninguém procurou essa peça óbvia do quebra-cabeça.
Como se supõe que a paciente com endometriose tenha um sistema imunológico decrépito (embora, na verdade, a resposta do sistema imunológico à endometriose tenha sido amplamente normal, vigorosa e apropriada), as células endometriais não são atacadas e podem permanecer aderidas após a implantação, proliferando e crescendo como endometriose.
O ponto crítico fatal desta teoria continua sendo a aparente e contínua ausência de evidências abundantes que a adesão inicial celular possa ocorrer.
Afirma-se que as células endometriais possam aderir bilhões e bilhões de vezes todos os dias ao redor do mundo, porém faltam evidências convincentes da adesão inicial destas células.
Esta deveria ser uma prova incrivelmente fácil de encontrar – você pode fazer biópsias do peritônio pélvico aleatoriamente e, se tiver feito biópsias suficientes, deverá encontrar evidências de células endometriais ligadas às superfícies pélvicas em todos os lugares.
No entanto, nenhum dos trabalhos sobre endometriose “microscópica” das décadas de 1980 e 1990 encontrou evidências de uma única célula endometrial aderida entre as dezenas e dezenas de estudos de pacientes.
Por que algo que supostamente ocorre o tempo todo é tão difícil de encontrar?
(Talvez simplesmente porque não ocorra?) Mesmo se o modelo de imunodeficiência facilitadora estivesse correto, ainda não há terapia imunológica disponível com base neste modelo.
Alguns pesquisadores estão apontando para os efeitos imunomoduladores do danazol como supostamente importantes na imunoterapia da doença. No entanto, o danazol existe há quase ¼ de século. Se o danazol fosse a resposta, poderíamos parar por aqui e irmos para casa.
Finalmente, se o sistema imunológico das pacientes com endometriose fosse realmente decrépito, outros problemas deveriam ser vistos.
No entanto, cânceres, infecções e doenças autoimunes não parecem ser mais prevalentes entre as mulheres com endometriose e raramente uma paciente que vem à minha clínica cirúrgica relata queixas de infecções vaginais recorrentes por fungos.
Nota do Revisor: a teoria autoimune da endometriose diz que a doença seria causada por uma “falha” no sistema imunológico das mulheres, o que permitiria que células da menstruação se aderissem e implantassem nos órgãos pélvicos.
Assim, é mais uma teoria derivada da premissa de que a endometriose seria causada pela menstruação retrógrada, como os são as teorias de “fatores psicológicos”, adiamento da gestação, doença da “mulher moderna”, e assim por diante.
Nos falta comprovar o essencial: invasão tecidual de células refluídas com a menstruação. Nos falta comprovar que células do sistema imunológico rotineiramente “limpariam” células refluídas pela menstruação.
Enquanto não há esta comprovação, como dito pelo doutor Redwine seguimos cometendo o pecado de tentarmos justificar a teoria da menstruação retrógrada.