O doutor David Redwine, mais uma vez, usa seu lado ‘investigador’ de cientista para desmistificar antigos conceitos que atrasam ainda mais o diagnóstico e levam muitas endomulheres à tratamentos ineficazes aumentando ainda mais seu sofrimento.
Entre os mitos está a gravidez como ‘tratamento’ ou até mesmo ‘cura’ para a endometriose. Pois é, ainda hoje tem quem acredita e sugere a gravidez, algo tão sério e que demanda muita responsabilidade, como terapia e cura.
Eu conheço muitas mulheres que ficaram muito pior das dores durante a gestação. Conheço também histórias de endomulheres que permaneceram assim após o parto. Por isso sei bem que a gravidez não trata e muito menos cura a doença.
Eu que já não tinha mais endometriose quando engravidei, tive uma gestação e pós-parto, mesmo tendo feito cesárea e com sangramento abundante normal de todo parto, maravilhosos! Nunca senti nada!
No texto, o doutor Redwine explica por que esse mito se tornou ‘verdade absoluta’ mesmo sem prova científica e relaciona alguns autores e a fertilidade de suas pacientes, cuja a maioria delas, ao ser diagnosticada com endometriose, já tinham filhos previamente.
Por isso é muito importante a portadora se informar, de acordo com a literatura médica, para que ela vá em busca do tratamento correto. Em pleno século 21, ‘prescrever’ gestação como tratamento para endometriose é inaceitável.
Compartilhe mais um texto exclusivo A Endometriose e Eu e ajude-nos a levar uma nova conscientização da endometriose. Beijo carinhoso! Caroline Salazar
Por doutor David Redwine
Tradução: Alexandre Vaz
Edição: doutor Alysson Zanatta
Será a gravidez a cura para a endometriose?
Nunca foi demonstrado por nenhum estudo controlado e nem por biópsia que a gravidez cura a endometriose. De fato, existem vários estudos que mostram a predominância de mulheres previamente férteis entre as pacientes diagnosticadas com endometriose.
Haydon descobriu que 58% das suas pacientes com endometriose haviam dado à luz anteriormente. Conselllor descobriu que 61,8% das 737 mulheres que fizeram parte do seu estudo haviam sido mães. Bennet descobriu que 88% das suas pacientes que já haviam sido mães tinham a endometriose como sua única patologia ginecológica.
Dougherty descobriu que 87% das suas pacientes haviam dado à luz uma ou mais vezes, levando o autor a se questionar se a gravidez poderia ser causa da endometriose, tão elevada era a taxa.
Andrews e Larsen descobriram que uma taxa bruta de 72% de gravidez em suas pacientes com endometriose. Redwine descobriu que 65% das suas pacientes recém diagnosticadas com endometriose haviam estado grávidas, e 51% haviam dado à luz.
Essas taxas iriam parecer muito mais elevadas se fossem incluídas as pacientes que não tentaram engravidar. Deve ser também referido que muitas das mulheres hoje têm partos de cesariana, o que deixa cicatrizes que já causam os seus problemas, mas pode ainda espalhar ou causar endometriose pós-gestação.
Certamente, se a gravidez fosse uma cura para a endometriose, nenhuma dessas mulheres férteis teria a doença. Em vez disso, é óbvio através da referida literatura que foram observadas centenas de mulheres com endometriose que estiveram grávidas antes de descobrirem que tinham endometriose.
A questão foi levantada porque os estudos mencionados acima não foram os primeiros a falar sobre a questão da fertilidade anterior ao diagnóstico da endometriose.
Estudos prévios por Sampson e Meigs encontraram uma taxa bruta de 40% de fertilidade prévia em mulheres casadas com endometriose (não mencionando sobre outros fatores de fertilidade, ou se os casais estavam tentando conceber).
Falta mencionar que os dados sobre o estado da endometriose dessas mulheres anteriores à gravidez não são claros e ninguém sabe se tiveram endometriose antes e sobre outros fatores envolvidos que pudessem ter tido influência.
A conclusão obtida desses estudos iniciais foi que a gravidez parece ser um fator protetor contra a endometriose e, o corolário (nota da editora: decorrência imediata de uma teoria) seguiu que a infertilidade era causada pela endometriose.
Tudo isso ocorre como resultado da falácia de Berkson, a observação de pacientes hospitalizadas e o estabelecimento de uma tênue relação entre os estados ou sintomas da doença, seguido da conclusão de que essa relação seria causa e efeito.
O conceito foi proposto, pareceu lógico e foi aceito como fato consumado, tendo passado sem ser questionado até recentemente. Agora isso foi reconhecido como um caso clássico de desorientação que pode ser apresentado como preconceito de seleção.
Com a publicação de tantos estudos que mostram uma predominância da fertilidade sobre a endometriose nessas pacientes, é razoável perguntar, tal como fez Dougherty, se a gravidez causa a endometriose, ou se a endometriose causa fertilidade?
Enquanto essas questões podem parecer absurdas, considerar o seu oposto (que a infertilidade causa endometriose ou que a endometriose causa infertilidade) não foi apenas proposto, mas também aceito como fato científico e oferecido como tratamento viável durante gerações de mulheres com endometriose.
Atribuir a causa apenas com base em uma relação que foi observada é um abuso ultrajante do processo científico que não seria aceito em um curso de introdução à epidemiologia.
A eletrocoagulação da endometriose é realizada tocando com um eletrodo metálico no foco da doença, destruindo-o totalmente a partir desse ponto. A desvantagem é que o cirurgião não tem forma de saber se a doença foi completamente eliminada.
Essa abordagem pode também arriscar lesões em estruturas vitais próximas. Eletroexcisão da endometriose, por outro lado, separa a endometriose dessas estruturas vitais, fazendo uso da dissecação pura e dura e pulsos de corrente elevada que podem cortar o tecido rapidamente.
As pílulas anticoncepcionais parecem ser uma terapia lógica que pode duplicar o imaginado efeito protetor da gravidez. A terapia de pseudogravidez (nota da editora: estado hormonal semelhante ao de uma gravidez) com as pílulas teve o seu impulso com uma paciente que não teve endometriose diagnosticada e que se pensou ter sido curada da sua “doença” após sua gestação.
Ironicamente, estudos subsequentes que relatam terem considerado o tratamento cirúrgico ligeiramente mais eficazes do que os anticoncepcionais ou que observaram a resposta do revestimento uterino, não endometriose, foram usados para defender o uso de pílulas para a endometriose, outro abuso científico.
A noção de um “fato assumido” usado no processo científico foi inicialmente mencionado no estado inicial de desenvolvimento da terapia com pílulas. É agora reconhecido que para se estudar uma terapia específica, é incorreto combiná-la com outra terapia e ignorar a presença dessa segunda terapia.
Além disso, a imprecisão, introduzida ao estudar qualquer processo de doença estudando qualquer outra coisa que a própria doença, deveria ser óbvia.
Tudo isso pode parecer confuso, e é confuso, mas o importante é que a pesquisa foi e continuará a ser manipulada para influenciar o resultado em favor de uma opção de tratamento que esteja a ser estudada.
Nota do Revisor: A associação entre endometriose e infertilidade é típica e, na prática clínica diária, a que mais gera preocupação. A partir do diagnóstico de endometriose, faz-se uma ideia que, inevitavelmente, ocorrerá infertilidade.
Isso não é verdade e, como relatado neste texto, é exatamente o oposto: a maior parte das mulheres que têm endometriose irá engravidar.
O fator mais associado à possível infertilidade é a idade da mulher. Daí a necessidade de um planejamento reprodutivo e aconselhamento médico, durante avaliações ginecológicas de rotina, mesmo antes de iniciarem as tentativas para concepção. Abraço, Alysson.
Fonte imagem: Deposit Photos/ Caroline Salazar