Em mais um brilhante texto, o doutor David Redwine explica numa linguagem bem didática porque a cauterização e a vaporização não devem ser usadas para tratar a endometriose.
Claro que deve ser muito mais fácil e simples fazer uma cirurgia de cauterização e ou vaporização que excisar , retirar toda a doença pela raiz. Fazer a remoção total, além do amplo conhecimento do cirurgião sobre a anatomia humana, é preciso muita paciência e coragem.
Mas, acima de tudo, é preciso acreditar que a endometriose tem cura e que pode ser completamente erradicada do corpo da mulher. Até porque acreditar que a doença não tem solução, é incurável antes mesmo de fazer a cirurgia, deixará a paciente na mesma, não é?
No final do texto leia a nota de editor do doutor Alysson Zanatta. Beijo carinhoso, Caroline Salazar
Por doutor David Redwine
Tradução: Caroline Cardoso
Edição: doutor Alysson Zanatta e Caroline Salazar
A vaporização a laser e a eletrocoagulação da endometriose devem ser banidas?
Esta parece uma questão sem sentido. Por que duas formas de tratamento usadas em todo o mundo devem ser proibidas? As respostas são diretas e convincentes:
1. Nenhuma foi validada como efetiva na erradicação ou redução da endometriose.
A validação da eficácia na erradicação ou redução da endometriose requer um exame sistemático da extensão da doença nas pacientes tanto antes quanto após o tratamento cirúrgico. Em outras palavras, pelo menos duas cirurgias são necessárias para validar a eficácia de um método cirúrgico (ou terapia médica). Na primeira cirurgia, a extensão da doença é medida, então a modalidade cirúrgica é aplicada. Na segunda cirurgia, a extensão da doença é medida e comparada com a extensão da doença observada na primeira cirurgia. Tanto a vaporização a laser quanto a eletrocoagulação vêm sendo utilizadas há mais de um quarto de século, mas ainda não sabemos com que eficácia nem se erradicam a endometriose. É ultrajante que aqueles que promovem esses tratamentos ignorem a questão da eficácia. Os estudos publicados mediram apenas a resposta dos sintomas, não a resposta da doença.
2. Ambas violam o senso comum cirúrgico.
A endometriose pode ser uma doença muito invasiva. Em alguns casos, a doença fibrótica pode ser localizada até 3 cm abaixo da superfície visível, por vezes na forma de nódulos de impressionantes volumes. A endometriose pode invadir o intestino, a bexiga e o ureter, pode estar associada à fibrose que pode envolver as estruturas na pelve, incluindo artérias, veias e uréteres. Durante o tratamento cirúrgico, é necessário separar o tecido saudável do tecido doente. É inconcebível que um cirurgião possa esperar tratar de forma completa e segura essa doença com uma luz ou pulverizando elétrons na sua superfície. Isso viola o simples senso comum.
3. Ambas convertem todas as manifestações de endometriose em doença superficial na visão do cirurgião.
Isso é uma consequência do tópico 2. O cirurgião que usa vaporização a laser ou eletrocoagulação para tratar a doença pode estar ciente de seu potencial invasivo, mas não quer ser acusado de tratamento incompleto de doenças profundas. Portanto, muitos se enganarão por imaginar que a doença que estão tratando é bastante superficial e está sendo destruída com uma luz ou pulverização de elétrons nela.
4. A eletrocoagulação nunca foi descrita na literatura para que ninguém possa reproduzi-la.
Para que um cirurgião use a eletrocoagulação de forma reprodutível, ele teria que conhecer várias coisas, incluindo:
O tipo de gerador eletrocirúrgico utilizado;
a) Configurações de energia;
b) Tipo de eletrodo ativo;
c) Modo de uso do eletrodo;
d) Objetivo final que marca a conclusão do tratamento. Nenhum artigo sobre eletrocoagulação contém todos esses detalhes. Um cirurgião deve fazer uma lista de especificações ou, mais comumente, usar a eletrocoagulação de forma esperançosa.
Embora a vaporização a laser tenha sido descrita em detalhes mais técnicos, a técnica de tratamento completo de todas as doenças profundas ainda não foi publicada.
5. Ambas dependem muito das opiniões do cirurgião.
a) O que está sendo tratado?
Nem a luz nem a pulverização de elétrons na endometriose produzem um relatório de patologia. O cirurgião não tem ideia do que está sendo tratado. Em alguns casos, em vez de endometriose, está sendo tratado câncer, ou carbono, ou cicatrizes de tratamentos anteriores.
b) Quão completo foi o tratamento?
Os cirurgiões que usam essas técnicas não têm meios objetivos de garantir que toda a endometriose de qualquer profundidade de invasão tenha sido erradicada. Enquanto ocasionalmente um cirurgião pode julgar com precisão que a doença extremamente superficial foi tratada adequadamente com fótons ou elétrons, a questão torna-se mais problemática com doenças mais invasivas em estruturas parenquimatosas, como os ligamentos uterossacros ou músculos do intestino ou da bexiga.
6. Ambas contribuem para apoiar uma teoria incorreta da origem, a saber, a menstruação retrógrada.
A menstruação retrógrada não é a origem da endometriose. Se fosse, não seria chamada de uma teoria. A menstruação retrógrada não pode ser a origem da endometriose por várias razões:
a) A endometriose não é idêntica ao endométrio.
Por muitas gerações, foi incorretamente ensinado que a endometriose é idêntica ao endométrio por causa da menstruação retrógrada, levando a autoenxertos patológicos. Estudos modernos têm ilustrado as dezenas de profundas diferenças entre endometriose e endométrio1.
b) A endometriose é curável pela cirurgia conservadora.
Por muitas gerações, foi incorretamente ensinado que a endometriose é uma doença crônica, enigmática e incurável. Diz-se que é “incurável” por causa da menstruação retrógrada: mesmo que um cirurgião realmente destrua toda a doença, ela retornará porque, durante o próximo fluxo menstrual, haverá refluxo de endométrio na pelve. Contudo, há mais de meio século, sabe-se que a endometriose pode ser curada por excisão conservadora sem necessidade de terapia médica2. A taxa de cura mínima após uma cirurgia conservadora é de 41%. Após duas cirurgias conservadoras, é de 67% (Redwine, dados não publicados.) Se a endometriose estiver presente após a excisão agressiva, estará presente em quantidades muito menores 3.
c) Não existem robustas evidências fotomicrográficas de adesão inicial e proliferação secundária e invasão do peritônio pelo endométrio.
Estima-se que 10% das mulheres em idade reprodutiva tenham endometriose sintomática. No mundo industrializado, a qualquer momento poderá haver pelo menos 25 milhões de mulheres com endometriose. Essas mulheres terão menstruações mensais durante, pelo menos, 10 a 20 anos. Se considerarmos 17 anos como uma estimativa conservadora do ciclo menstrual da mulher, então ela terá cerca de 200 ciclos menstruais entre 13 e 30 anos.
Se um fluxo típico durar quatro dias e, em cada dia de fluxo, 10 células endometriais forem jogadas na cavidade pélvica, então cada mulher terá oito mil células endometriais jogadas em sua pelve ao longo de seus ciclos menstruais. Assim, se isso for verdade, durante os ciclos menstruais das 25 milhões de mulheres com endometriose da nossa amostra, haverá 8 x 103 x 2.5 x 107 ou 2 x 1011 casos de células endometriais vazadas/jogadas na pelve. Se a taxa de aderência de células vazadas/jogadas durante uma menstruação for de apenas 1%, então 2 x 109 casos de adesões terão ocorrido durante os ciclos menstruais dessas mulheres ou 0,2 x 109 casos de adesões anualmente. Os números reais serão maiores se as gerações anteriores de mulheres forem consideradas, ou se algumas mulheres tiverem mais de 17 anos de ciclos menstruais, ou se algumas tiverem fluxos com duração superior a quatro dias ou se algumas tiverem fluxos mais pesados. Esses cálculos podem parecer conservadores para alguns. De qualquer forma, se as estimativas conservadoras forem de que várias centenas de possíveis adesões celulares do refluxo do endométrio ocorrerão nos ciclos menstruais das mulheres dessa amostra e se mais de cem milhões de casos de adesões ocorrerem anualmente, não é estranho que não existam fotomicrografias para confirmar esse fenômeno supostamente onipresente e comum? A falta de prova fotomicrográfica das duas etapas iniciais (adesão e proliferação/invasão) da teoria da menstruação retrógrada é a evidência mais forte de que esta não é a origem da endometriose.
A teoria da menstruação retrógrada como origem da endometriose e tratamentos cirúrgicos ineficazes como vaporização a laser e eletrocoagulação têm uma relação simbiótica. Um não existe sem o outro. Enquanto a teoria da menstruação retrógrada existir para explicar todas as falhas de tratamento, os cirurgiões não precisarão considerar se seus tratamentos são efetivos, pois podem culpar a teoria da origem por todas as falhas. Enquanto existirem tratamentos cirúrgicos ineficazes, a doença persistente que é deixada para trás poderá ser chamada de doença “recorrente” por causa dessa teoria e a cirurgia será considerada ineficaz ou fútil. Como resultado, muitos cirurgiões irão prescrever terapia médica, o que sabemos que não erradica a doença.
7. Ambas provocam aumento do custo de assistência médica em todo o mundo.
É inquestionável que os tratamentos ineficazes aplicados repetidamente são mais caros do que os tratamentos efetivos aplicados uma ou duas vezes, especialmente quando um dos tratamentos requer uma máquina cara.
8. Ambas reduzem as habilidades de um cirurgião.
Jogar uma luz na endometriose ou pulverizar elétrons é mais fácil do que usar o tempo para remover a doença da pelve com uma dissecção cuidadosa. Como resultado, as habilidades cirúrgicas serão corroídas, uma vez que são necessárias menos habilidades para técnicas de ablação térmica. A remoção da doença, por outro lado, requer meticulosa dissecção pélvica, conhecimento de anatomia, coragem e resistência física e mental.
9. O laser pode causar dor, deixando carbono para trás, o qual pode causar uma dolorosa reação de células gigantes de corpo estranho.
O carbono deixado por vaporização a laser é mais problemático do que apenas a questão de ser confundido com doença recorrente. Ele pode estimular uma reação de células gigantes do corpo estranho, que pode ser a própria causa de dor e linfadenopatia. Outras tentativas de tratamento por laser podem agravar o problema.
10. “Todo mundo faz isso”.
Não se esqueça do que seus pais lhe disseram: “Só porque todo mundo faz não quer dizer que isso está certo”. Com uma doença que parece tão misteriosa nos últimos 80 anos como a endometriose, se todo mundo pensa do mesmo jeito e trata da mesma forma, então é provável que todos estejam errados. Caso contrário, se todos estivessem certos, seria óbvio. O progresso não é feito sem mudanças.
11. Ambas contribuem para a depreciação e a opressão médica das mulheres.
Como profissionais, como podemos justificar tratamentos com tantas falhas a tantas mulheres por tantas vezes ao longo de tantos anos? Não podemos nos esconder atrás da noção de que “a endometriose é uma doença misteriosa, enigmática, crônica, altamente recorrente e difícil de tratar”. Não podemos continuar ignorando os efeitos negativos desses tratamentos sobre as mulheres. Devemos enfrentar o fato de que, de muitas maneiras, esses tratamentos são uma grande parte do problema. Até que eles sejam abandonados, nossas pacientes não estarão livres de nossos preconceitos e de nossos erros.
A maioria dos que leem as onze condições acima compreenderá imediatamente todas elas, abandonará a vaporização a laser ou a eletrocoagulação da endometriose de uma vez e adotará a excisão, que é o tratamento de escolha reconhecido para a endometriose. Bem-vindo a um melhor caminho para suas pacientes.
Nota do editor: O doutor David Redwine sempre defendeu que a endometriose pode ser tratada de forma efetiva com a remoção cirúrgica completa das lesões, ao invés de cauterizá-las ou vaporizá-las superficialmente.
Como sustentação ao seu argumento, nos brindou com inúmeros trabalhos científicos e aulas brilhantes em congressos médicos, atestando a efetividade da remoção cirúrgica e inspirando a formação de cirurgiões ao redor do mundo.
O desafio da cirurgia de remoção máxima endometriose é que ela não é facilmente reprodutível. Como destacado, é preciso:
1. Acreditar que ela não seja causada pela menstruação retrógrada (pois caso contrário não nos esforçaremos para removê-la acreditando que ela voltará rapidamente);
2. Desenvolver habilidade cirúrgica e conhecer profundamente a anatomia pélvica retroperitoneal;
3. Ter a coragem de assumir riscos, além da resistência física e mental.
Preenchidos estes requisitos, poderemos evoluir verdadeiramente no tratamento cirúrgico.
Referências:
1. Redwine, D. B. (2002).Was Sampson wrong? Fertility and Sterility, 78, 686-693.
2. Meigs, J. V. (1953). Endometriosis; etiologic role of marriage age and parity: conservative treatment. Obstetrics and Gynecology, 2, 46-53.
3. Redwine, D. B. (1991). Conservative laparoscopic excision of endometriosis by sharp dissection: life table analysis of reoperation and persistent or recurrent disease. Fertility and Sterility, 56, 628-634.