A endometriose cutânea ainda é um assunto pouco comentado, mas que gera dúvidas em muitas endomulheres. A forma mais comum deste tipo de endometriose é a de cicatriz, e a menos comum, a umbilical. Mas não é porque é menos comum que ela não exista.
Muito pelo contrário. Ultimamente tenho sabido alguns casos de endometriose umbilical, especialmente, entre meninas jovens, adolescentes com mais frequência e imagino como esse tipo de endometriose incomoda.
Como é muito pouco falada, muitas vezes a mulher não sabe que a endometriose umbilical existe e que ela pode ter. Afinal, a mulher só percebe que tem esse tipo de endometriose – já uma doença profunda – quando o umbigo começa a sangrar.
E eu pensava que nesse caso, já vinha direto sangue, mas estou acompanhado um caso de uma adolescente de 16 anos diagnosticada com endometriose umbilical e antes de sangrar, soube pela mãe dela que sai um líquido, não necessariamente sangue, e que a filha limpava achando que não era nada.
Por isso esse texto de perguntas e respostas é muito importante. A neurocientista, Libby Hopton, já uma série de perguntas ao doutor David Redwine, que explica tudo sobre endometriose cutânea e ainda coloca em xeque a causa deste tipo de doença.
Já que histologicamente as células de endométrio dos focos não são as mesmas do útero, então, o cientista americano contesta também a ideia de que o endométrio do útero foi depositado e autotransplantado durante cirurgia anterior. Leia o texto “A endometriose é um autotransplante?”.
Afinal, como explicar a endometriose cutânea, seja a umbilical ou na cicatriz da cesárea mesmo nas mulheres que nunca operaram? O cientista David Redwine desmistifica a origem e explica os sintomas e tratamento.
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Perguntas e respostas sobre endometriose cutânea:
Por doutor David Redwine
Tradução: Caroline Cardoso
Edição: doutor Alysson Zanatta
Libby Hopton: Na minha opinião, a endometriose cutânea é mais comumente encontrada nos locais de incisões cirúrgicas anteriores. Antes de considerar detalhadamente a endometriose em local de incisão cirúrgica, há também casos de endometriose cutânea na ausência de cicatriz/incisão e, em caso afirmativo, onde essas lesões são mais comuns?
David Redwine: No meu conhecimento, além dos casos de endometriose espontânea envolvendo o umbigo, o único caso de endometriose cutânea não associada à uma cicatriz cirúrgica era na vulva de uma nulligravida[1] (Healy JJ. Endometriose bilateral da vulva. Am J Obstet Gynecol 1956; 72:1361-3).
Libby Hopton: No exemplo da endometriose umbilical, há quase sempre uma incisão prévia através do umbigo antes da formação da doença ou, neste local, a endometriose tende a ser espontânea?
David Redwine: A endometriose umbilical pode ocorrer espontaneamente e eu acho que a maioria dos casos é espontânea. Existem relatos esporádicos de endometriose umbilical após histerectomia laparoscópica com o uso de um trocarte umbilical. Em dois desses casos, tiras de endométrio e miométrio foram removidas através de um umbigo desprotegido (a bainha do foi removida e o tecido foi puxado através do orifício do umbigo). (Koninckx PR et al. Endometriose Umbilical após a remoção desprotegida de peças uterinas através do umbigo. J Am Assoc Gynecol Laparosc 2000; 7: 227-32).
Libby Hopton: Quais são os sintomas da endometriose cutânea e com que idade ela seria mais comum? Isso costuma piorar com o tempo? A endometriose cutânea está associada à doença em outro lugar ou pode apresentar-se isoladamente como o único local da doença?
David Redwine: A endometriose cutânea apresenta-se como um nódulo pequeno e doloroso que pode crescer lentamente. Muitas lesões parecem atingir certo tamanho e param de crescer; mas, como normalmente são removidas cirurgicamente, seria impossível afirmar que pararam completamente de crescer. O inchaço perimenstrual cíclico e a dor no local afetado são os sintomas mais comuns da endometriose cutânea. O umbigo é a parte mais fina da parede abdominal, talvez com 10,1m de espessura, mesmo em pessoas obesas. Indo de fora para dentro, as camadas do umbigo são: epiderme, derme, fáscia, gordura retroperitoneal e peritônio. Como a espessura da parede abdominal no umbigo é muito fina, a endometriose umbilical também pode estar associada a uma descarga sanguínea cíclica. A endometriose de uma cicatriz cirúrgica (a forma mais comum de endometriose cutânea) geralmente não afeta a derme e a epiderme (as camadas da pele) como a endometriose umbilical, portanto a secreção sanguinolenta é rara. A endometriose de uma cicatriz cirúrgica geralmente afeta a fáscia, com alguma fibrose da gordura subcutânea que a recobre. A endometriose de uma cicatriz cirúrgica raramente tem uma conexão mais profunda no peritônio ou na cavidade peritoneal.
Libby Hopton: No caso de endometriose cicatricial, quais são os possíveis mecanismos causais (isto é, tecido endometrial transplantado, ‘capturado’ na incisão, e/ou tecido saudável que está sendo transformado em endometriose como resultado de substâncias químicas liberadas durante o processo de cura da ferida)?
David Redwine: Os dois supostos mecanismos causais da endometriose de uma cicatriz cirúrgica são autotransplantes (inoculação da cicatriz por fragmentos de tecido endometrial do revestimento uterino) e metaplasia relacionada às substâncias químicas liberadas pelo corpo durante a cicatrização cirúrgica, incluindo vários fatores de crescimento. Um fator contra o autotransplante é que a histologia da endometriose cicatricial geralmente não é bem diferenciada, como seria o endométrio nativo. Pode-se suspeitar que um autotransplante permanecesse mais idêntico ao tecido de origem. Outro fator que fala contra o autotransplante é a propensão da endometriose de uma cicatriz envolver principalmente a fáscia – se a inoculação de uma cicatriz cirúrgica aberta ocorreu, pode-se esperar que a endometriose cicatricial seja distribuída de maneira mais uniforme da pele até o peritônio, e não envolva apenas uma camada. É claro que cada célula do corpo tem o material genético para formar qualquer outro tipo de tecido, dado o estímulo adequado, de modo que cada célula do corpo pode ser uma “célula-tronco”. Pelo conceito de mulleriose, fragmentos de tecido podem ser depositados no corpo que já contêm endometriose ou que possui uma capacidade aumentada de sofrer metaplasia em endometriose. Na pelve, esses fragmentos de tecido são mais comuns na parte posterior, mas podem ocorrer em outras partes da pelve, intestino ou bexiga. Mas teoricamente esses fragmentos de tecido podem ser encontrados em qualquer outro lugar do corpo, embora com uma frequência inversamente proporcional à distância de um trato do fundo de saco. Com base nesse conceito, a parede abdominal poderia ter fragmentos padronizados de tecido, com padronização mais comum na parede abdominal inferior próxima à pelve. As artérias e veias umbilicais passam através do umbigo no feto. Nos fetos femininos, essas estruturas vasculares surgem das artérias e veias uterinas. Portanto, o umbigo tem uma conexão formativa direta e compartilhada com a pelve, que pode exceder o padrão da parede abdominal e pode estar associado à endometriose da cicatriz que não envolve o umbigo. Esse aspecto ontológico do umbigo pode aumentar a possibilidade de que um trecho de tecido mulleriano tenha sido depositado no umbigo em comparação com outros locais da parede abdominal. Se um trato de tecido afetado por mulleriose fosse depositado no umbigo, este poderia eventualmente exibir endometriose espontânea (se a endometriose tivesse sido depositada ali durante a embriogênese) ou endometriose cicatricial relacionada à laparoscopia devido à metaplasia de tal trato que tinha sido estimulada pelos fatores de crescimento associados com cicatrização de feridas e reparo tecidual. Tal trato de tecido pode ser mais propenso a desenvolver endometriose por metaplasia relacionada à cicatrização de feridas provenientes de uma ou repetidas inserções de trocartes umbilicais para laparoscopia do que um local de trocarte que não está envolvido por um trato de tecido afetado por mulleriose.
Libby Hopton: Alguns tipos de cicatrizes estão mais associados a uma determinada patogênese do que outros?
David Redwine: A endometriose de cicatriz foi relatada com incisões de laparotomia transversa, incisões de laparotomia vertical, locais de inserção de trocarte no umbigo, tratos de agulha de amniocentese e episiotomias. A endometriose cicatricial envolvendo cicatrizes de laparotomia parece seguir padrões – com incisões transversais, ela é encontrada ocasionalmente na linha média e mais frequentemente em um dos lados – a direita é aparentemente mais comum. Essa predileção do lado direito pela endometriose cicatricial espelha a predileção do lado direito pela endometriose inguinal, sugerindo que a parede abdominal direita é mais comumente predisposta (do ponto de vista de segmentação corporal) do que a esquerda ao surgimento de endometriose de cicatriz. Com incisões verticais, a endometriose cicatricial é encontrada mais próxima do osso púbico do que do umbigo, sugerindo que os fragmentos de tecidos de predisposição embrionária são mais prevalentes em locais mais próximos da pelve. Na maioria dos casos, a endometriose cicatricial em cicatrizes de laparotomia envolve apenas um nódulo de endometriose.
Libby Hopton: O tecido transplantado, no caso de endometriose cicatricial, alicerçaria a teoria da implantação sustentando a noção de que o endométrio nativo pode se implantar e invadir áreas fora do útero? A endometriose cicatricial é um modelo substituto da teoria do refluxo menstrual de Sampson para a origem da endometriose?
David Redwine: A teoria de Sampson para a origem da endometriose gira em torno do implante de endométrio menstrual em superfícies peritoneais. A maioria dos casos de endometriose cicatricial não está associada ao endométrio menstrual, mas sugerem a possibilidade de que o endométrio viável tenha sido inoculado em uma cicatriz cirúrgica fresca e receptiva. Isso sugeriria que a endometriose cicatricial não é um substituto particularmente apropriado para provar a teoria de Sampson. Outro ponto mencionado acima – a endometriose cicatricial de laparotomia – manifesta-se como um único nódulo na maioria dos casos. Eu nunca encontrei um caso em que mais de um nódulo estivesse presente. Se a inoculação de uma cicatriz cirúrgica de 20,3 cm a 25,4 cm de comprimento ocorresse, seria de se esperar que algumas pacientes tivessem mais de um nódulo. Portanto, a endometriose cicatricial por laparotomia não pode ser aceita como um bom modelo de correção da teoria de Sampson. Os tratos de trocarte laparoscópico ou os trechos de agulha de amniocentese são pontos únicos nos quais se espera que apenas um nódulo se desenvolva. Se um único nódulo de endometriose cicatricial fosse observado sem o conhecimento da padronização da cicatrização da endometriose em cicatrizes de laparotomia, seria fácil chegar a uma conclusão rápida de que a inoculação do trato pelo endométrio havia ocorrido. Em resumo, as cicatrizes de laparotomia representam um ‘laboratório’ melhor para o estudo da endometriose de cicatriz do que os locais de punção única. Ainda não se sabe se a endometriose pélvica estabelecida pode ser inoculada em uma ferida cirúrgica.
Libby Hopton: Quando a endometriose de cicatriz está presente, a doença tende a envolver apenas a superfície externa da pele, ou pode permear toda a espessura da parede abdominal, ou mesmo formar um trato de fora para dentro, ou vice-versa?
David Redwine: Como respondido, a endometriose cicatricial envolve principalmente a fáscia.
Libby Hopton: Como a endometriose cutânea é melhor tratada?
David Redwine: A experiência pessoal e a literatura publicada deixam claro que a ampla excisão local é curável na maioria dos casos.
Libby Hopton: É prontamente tratável cirurgicamente?
David Redwine: Sim, é fácil de operar na parede abdominal. Normalmente a cirurgia não se estende para a cavidade abdominal. Quando isso acontece, a área de entrada é bastante pequena em comparação com a incisão original da laparotomia.
Libby Hopton: Algumas variantes são mais tratáveis que outras?
David Redwine: Todos são igualmente fáceis de tratar, pois não há estruturas vitais envolvidas. O reparo cosmético do umbigo é um pouco mais difícil do que simplesmente fechar a pele sobre um nódulo laparotômico.
Libby Hopton: Se a endometriose de cicatriz pode se formar puramente como resultado do processo de cicatrização (tecido submetido a metaplasia em endometriose sob a influência do ambiente celular presente durante a cicatrização), o que evitará que esse mesmo processo se repita depois que a área afetada tiver sido extirpada e a incisão recém-criada voltar a cicatrizar?
David Redwine: O trato de tecido que havia sido implantado embriologicamente agora foi removido. Esses trechos de tecido não são necessariamente folhas de tecido contíguo que se assemelham a rodovias, embora algumas possam ser. Alguns tratos de tecido de substrato podem ser vistos intermitentemente aqui ou ali através de uma região que foi previamente predisposta embriologicamente.
Libby Hopton: Que medidas podem ser tomadas durante a cirurgia para reduzir o risco de formação de endometriose nos locais de excisão?
David Redwine: Se a endometriose cicatricial se deve à estimulação de tratos com padrões embriológicos, não há prevenção óbvia alguma, uma vez que o processo de cicatrização teria que ser interrompido. Dada a raridade da endometriose cicatricial – a maioria das mulheres com laparotomia ou laparoscopia nunca a desenvolverá – não faria sentido tentar interferir no processo de cicatrização de feridas em 100% das pacientes para prevenir a endometriose cicatricial em menos de 0,5% das pacientes. Se a endometriose cicatricial se deve à inoculação da ferida cirúrgica, então criar algum tipo de barreira sobre cada camada da parede abdominal (especialmente a fáscia) antes de realizar a cirurgia dentro do peritônio pode fazer sentido. Mas a questão surge novamente – você se esforçaria para atingir 100% das pacientes para proteger menos de 0,5% delas de um problema benigno e relativamente fácil de tratar? Tenho certeza de que alguma empresa de equipamentos médicos diria que sim.
Libby Hopton: Pode a forma de endometriose (por metaplasia) tornar-se parte (por excisão incompleta) do cúpula vaginal (nota do editor: porção superior da vagina onde o útero se inseria, e que torna-se uma cicatriz após a sua remoção) após a histerectomia? Em caso afirmativo, que sintomas isso provocaria (dor, sangramento cíclico)?
David Redwine: O tecido da parede vaginal é epitélio escamoso estratificado, assim como a pele. A diferença é que a parede vaginal não tem folículos pilosos ou glândulas sudoríparas. Portanto, todo comentário feito sobre a endometriose de cicatriz da pele se aplica à parede vaginal. O fórnice vaginal posterior, atrás do colo do útero, é a área mais comum para a endometriose vaginal, geralmente associada a um nódulo do reto com obliteração do fundo de saco ou um nódulo do ligamento útero-sacro. Se o fórnice vaginal posterior de aparência normal não for removido com um nódulo do reto ou de um ligamento útero-sacro, há chance de que ele ainda possa formar endometriose vaginal posteriormente, como se um trato padronizado de tecido de substrato permanecesse no lugar e manifestasse endometriose mais tarde. O professor Donnez, na Bélgica, observou isso e, para diminuir a recorrência pós-operatória (pelo que pode parecer metaplasia), ele recomenda que o fórnice posterior seja removido rotineiramente quando um nódulo na vizinhança estiver sendo removido. Voltando a especificamente à pergunta, meu palpite é que a endometriose de cicatriz vaginal está relacionada a um nódulo adjacente que não foi removido e a endometriose simplesmente foi incorporada ao manguito vaginal durante o fechamento da sutura.
Nota do editor: A endometriose de cicatriz de parede abdominal (especialmente se for visível, como na cicatriz umbilical) pode nos ensinar muito sobre o mecanismo e as causas da endometriose.
Do ponto de vista histológico (biópsia), a endometriose de cicatriz é exatamente igual à endometriose profunda, qualquer que seja a sua localização (ligamentos úterossacros e fundo vaginal, intestino, bexiga, etc).
Nela encontramos fibrose, tecido muscular e glândulas semelhantes ao endométrio, o que lhe confere o diagnóstico de endometriose.
Assim, é como se pudéssemos observar externamente, todos os dias, uma endometriose de intestino ou de fundo vaginal, por exemplo. E o que observamos?
1 – Nenhuma medicação, hormonal ou não, é capaz de erradicar a lesão (fazê-la desaparecer, curá-la);
2 – Não há “disseminação” da doença, ou seja, ela não passa de um lugar ao outro, ainda que esteja exposta. Assim, não conseguimos observar que o endométrio encontrado na lesão de endometriose tem a capacidade de “se espalhar” para outros locais;
3 – A excisão cirúrgica é curativa em grande parte dos casos, ainda que a paciente continue menstruando, o que fala contra o mecanismo de menstruação retrógrada.
Apesar destas importantes observações em relação à endometriose de cicatriz de parede serem amplamente aceitas, muito ainda se discute sobre a endometriose profunda, na pelve.
O ponto mais interessante dessa entrevista são os argumentos expostos pelo doutor Redwine que contrariam a teoria de que a endometriose de cicatriz tenha sido causada por inoculação cirúrgica direta, proposta pelos expoentes da teoria de Sampson, ou teoria da menstruação retrógrada.
Dr. Redwine explica que esse tipo de endometriose possivelmente se deva à uma estimulação de tecidos embrionários que foram depositados naqueles locais, durante o processo de cicatrização. Isso explica os casos de endometriose de umbigo que surgem em mulheres que jamais foram operadas.
Pessoalmente, tive a oportunidade de tratar duas mulheres com endometriose de umbigo, e ambas jamais tinham sido operadas. Talvez entender a endometriose seja mais simples do que nos parece.
[1] N.T.: Nulligravida é um termo em inglês para ser referir à mulher que nunca engravidou. Em português, o termo nulípara tem o mesmo significado.
[2] Instrumento com ponta triangular e uma cânula para fazer punções e retirada de líquidos de uma cavidade do organismo.
Fonte imagem: Deposit Photos/ Caroline Salazar