É necessário entendermos e sermos capazes de tratar a endometriose, em definitivo. Mas afinal, existe uma cura para a endometriose?
Os maiores obstáculos a esses objetivos são:
a) dificuldade de identificação visual da lesão de endometriose (seja nos exames de imagem e mesmo nas cirurgias);
b) a dificuldade técnica em remoção máxima e radical dos focos de endometriose (pois envolve profundo conhecimento técnico e assunção de riscos);
c) a crença de que a endometriose seja causada pela menstruação (sim, não é nada mais do que uma crença, pois não há comprovação científica direta de tal fato).
Por estes motivos, supõe-se que a endometriose seja uma doença crônica e sem cura.
Neste texto, o doutor Andrew Cook, de forma direta e corajosa como poucos, contesta de forma lógica este dogma. Afinal, para que servem os dogmas da Medicina senão para serem contestados e derrubados.
Baseado em sua experiência pessoal (sim, a experiência pessoal de especialistas podem ter grande peso na ciência, especialmente quando falamos de temas cirúrgicos, pois é pouco provável que um médico opere exatamente como outro), doutor Cook enfatiza que a doença é raramente recorrente, e que a excisão máxima dos focos pode ser capaz de promover a cura de longo prazo em um grande número de mulheres.
Acrescento que é possível sabermos com clareza se a doença foi satisfatoriamente removida: os sintomas devem melhorar na ausência de qualquer medicação hormonal, e devemos comparar o exame de imagem (ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal ou ressonância magnética pélvica) feito por um especialista antes e em quatro a cinco meses após a cirurgia.
Se os sintomas melhorarem e não houver evidência de doença quando o exame for realizado pelo mesmo profissional que identificou as lesões anteriormente, então é muito provável que a doença tenha sido adequadamente tratada. Abraço, Alysson Zanatta.
Existe uma cura para a Endometriose?
Por doutor Andrew Cook
Tradução: Miriam Ávila
Edição: doutor Alysson Zanatta
A cirurgia de excisão da endometriose é atualmente o único tratamento comprovado que efetivamente erradica a doença.
Resumo dos Pontos-Chave:
– A cirurgia de excisão da endometriose é atualmente o único tratamento comprovado que erradica a doença. Na maioria das pacientes, a excisão é um procedimento curativo, ou seja, após o procedimento, a doença é erradicada e não se repete. As mulheres que sofrem uma excisão completa da sua endometriose podem permanecer livres da doença pelo resto de suas vidas.
– Não existe nenhuma pílula milagrosa, dieta ou terapia hormonal que cure a endometriose. Hormônios, dieta balanceada, suplementos e remédios naturais podem, na melhor das hipóteses, reduzir os sintomas. Eles não curam a doença em si e se a terapia é interrompida, os sintomas normalmente retornam com mais força em pouco tempo. Tratamentos não-invasivos são, na melhor das hipóteses, paliativos – ajudam a aliviar os sintomas, mas não curam a doença.
– A cirurgia de excisão da endometriose trata as lesões da doença e a dor associada a essas lesões. No entanto, não trata outros aspectos que podem ocorrer ou resultar da endometriose. Os sintomas decorrentes dessas condições relacionadas podem persistir apesar da cirurgia de excisão e podem requerer tratamentos adicionais para restaurar a saúde da paciente. Para algumas dessas condições, o cuidado contínuo pode ser necessário.
“Endometriose” e “cura” raramente são vistas juntas na mesma frase.
Afinal, a endometriose é supostamente uma doença recorrente crônica que sempre retorna e, para muitas pacientes, esse mantra é confirmado pela sua experiência pessoal com a doença.
Elas sofrem repetidas cirurgias falhadas e terapias hormonais sem alívio ou, na melhor das hipóteses, qualquer alívio é de curta duração e os mesmos velhos sintomas se repetem com o tempo.
Para confundir as questões, endometriose e dor pélvica são frequentemente tratadas como sinônimas.
Se a dor retornar após um tratamento prévio, a paciente e seu médico podem inadvertidamente assumir que se trata de um sinal de retorno da doença.
A dor pélvica, no entanto, é frequentemente de natureza multifatorial, o que significa que o retorno ou a persistência de sintomas de dor pélvica podem não necessariamente significar existência de endometriose previamente diagnosticada.
A endometriose pode acabar sendo culpada por outras condições ginecológicas relacionadas que coexistem com ela, como adenomioses, disfunção da cavidade pélvica, dor relacionada aderências e cistite intersticial (síndrome da bexiga dolorosa).
Então, como você pode ver e saber se a endometriose tem ou não uma cura está longe de ser definido!
Questões extra:
O que queremos dizer com “cura”?
Para responder a esta questão de saber se a endometriose possui uma cura, primeiro é necessário fornecer as definições médicas de endometriose e cura.
A definição médica para endometriose é a presença de glândulas e estroma ectópico semelhante ao endometrial (resumidamente, trata-se da presença de tecido parecido com o do endométrio, mas fora do útero).
Esta definição refere-se à presença física real de lesões endometrióticas, mas não diz nada sobre o padrão de condições associadas que muitas vezes ocorrem com a endometriose nem os potenciais efeitos de maior alcance da doença em outros sistemas corporais, como os órgãos gastrointestinais, e sistemas imunológico e nervoso.
A definição médica de cura é a ausência de uma doença após o tratamento.
Então, ao falar de cura para a endometriose, de acordo com essas definições médicas, estamos na realidade, perguntando se as lesões endometrióticas podem ser completamente erradicadas sem recorrência da doença ao longo do tempo.
Como pode ser verificado pelas taxas de sucesso cirúrgico, a recorrência após uma grande excisão por um especialista cirúrgico é rara. A maioria das pacientes não vivencia a recorrência de sua doença após a cirurgia.
Essas descobertas são apoiadas por dados clínicos envolvendo centenas de pacientes e estão de acordo com outros cirurgiões do mundo todo, que estão usando a mesma técnica com nível de habilidade similar. Essencialmente, a excisão da endometriose é um procedimento altamente eficaz e curativo na maioria dos casos.
E sobre a recorrência da doença, apesar da excisão?
Em uma minoria de pacientes, a doença se repete. A maioria dos casos de recorrência não é, na verdade, uma recorrência verdadeira, mas é, de fato, a persistência da doença.
É muito mais comum que uma área com a doença seja perdida ou apenas parcialmente removida do que aparecer nova doença e a maioria dos casos de endometriose “recorrente” após a cirurgia são exemplos de persistência da doença devido à remoção incompleta.
Nesses casos, a excisão completa de todo o restante da doença proporcionará resolução contínua da mesma. O problema da cirurgia incompleta está na crença de que a endometriose é uma doença incurável que sempre retorna.
É por isso que as pacientes que se encontram em um carrossel aparentemente sem fim de cirurgias repetidas devem começar a questionar o quão completa foi sua cirurgia e se seu cirurgião é suficientemente habilidoso para oferecer bons cuidados cirúrgicos.
No entanto, raramente a doença pode voltar apesar da cirurgia de excisão ser completa.
As observações clínicas realizadas durante segundos procedimentos revelam que a recorrência após a cirurgia de excisão tende a ocorrer nas margens das areas de anterior excisão.
É muito menos comum que a doença se repita em novas areas.
Além disso, a doença recorrente tende a ser mais limitada na apresentação do que a manifestação original da doença (as mulheres com doença recorrente tipicamente têm menos doença que no momento da primeira cirurgia e a doença recorrente é superficial).
Uma possível explicação para o padrão de recorrência nas margens das áreas pré-excisadas é que o processo de cicatrização em si pode desencadear traços vulneráveis de tecido que contenham um potencial latente para se tornar endometriose e se transformar em novas áreas de doença sutil em algumas pacientes.
A realização de excisão com amplas margens em torno das áreas da doença visível pode ajudar a reduzir o risco de recorrência.
As pacientes mais jovens podem estar em maior risco de recorrência da doença, embora os dados sejam conflitantes. Um estudo recente não encontrou recorrência em uma pequena série de adolescentes que passaram por uma ampla excisão.
As pacientes mais jovens podem apresentar áreas mais sutis da doença que são mais fáceis de serem ignoradas ou as áreas de tecido aparentemente saudável que ainda podem ter um potencial latente para posteriormente se transformar em endometriose através de um processo de metaplasia (onde um tipo de tecido se transforma em outro tipo de tecido).
Portanto, é importante tratar a endometriose em adolescentes com excisão ampla para minimizar o risco de a paciente ter que voltar para uma cirurgia adicional.
Mesmo em adolescentes, a maioria das pacientes vivenciará uma resolução completa e contínua de sua doença após um único procedimento de excisão cirúrgica.
As áreas do corpo mais propensas a sofrer “recorrência” após a cirurgia são de fato os ovários. No caso da doença ovariana no interior do tecido ovariano pode ser difícil, se não impossível, detectar pequenas áreas focais da doença durante a cirurgia.
Os endometriomas ovarianos podem ser excisados, mas às vezes, uma paciente terá outras pequenas áreas da doença dentro do ovário que só são detectadas se elas se desenvolvem em novos endometriomas.
A taxa de recorrência após a excisão de um endometrioma (cistectomia) é estimada em cerca de 5%. Obviamente, o risco de recorrência varia dependendo da habilidade do cirurgião.
A recorrência de doença profunda é extremamente rara. Se uma área de endometriose profunda for encontrada após a cirurgia anterior, é altamente provável que a cirurgia inicial não tenha removido completamente a lesão.
Pode a remoção da minha endometriose curar todos os meus sintomas?
Esta é uma importante questão. As lesões presentes na pelve podem representar apenas metade da imagem.
A endometriose é “apenas” sobre as lesões ou é mais complexa do que isso?
O próprio processo da doença (dor e inflamação pélvica crônica) e os fatores subjacentes que determinam quais mulheres que em última instância desenvolvem a doença também podem resultar em disfunção mais ampla do sistema que persiste mesmo depois que as próprias lesões sejam meticulosamente removidas.
Em muitos casos, a endometriose pode apresentar-se como uma “síndrome” multi-sistêmica de deficiências que se estendem muito além da cavidade pélvica.
Uma abordagem integrativa abrangente pode ser necessária para restaurar a saúde ideal.
Em suma, a cirurgia pode remover as lesões, mas outros tratamentos e terapias podem ser necessários para tratar outros sintomas indiretamente associados à endometriose.
O que significa “lutar por uma cura para endometriose”?
Se a endometriose pode ser efetivamente removida cirurgicamente com pouco risco de recorrência, por que defensores da endometriose estão lutando por uma cura?
Embora o tratamento cirúrgico ofereça uma resolução curativa da doença, atualmente não existe nenhuma forma de prevenir o desenvolvimento da endometriose, e muitas mulheres experimentam um longo e doloroso atraso de diagnóstico e rondas de tratamento ineficazes antes de aceder a cuidados adequados.
Não existe um teste de diagnóstico não-invasivo para a endometriose nem um tratamento curativo não-invasivo.
Pelo que realmente devemos lutar é por um melhor acesso a cuidados, novas opções de tratamento, diagnóstico precoce e, finalmente, uma forma de parar a doença em seu desenvolvimento antes que tenha chance de debilitar vidas.
Devemos lutar por uma prevenção.
Fonte texto e imagem: Vital Health