Aconselhamento reprodutivo à mulher com endometriose – parte 2!

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Na segunda parte do texto “Aconselhamento reprodutivo à mulher com endometriose” – leia a parte 1 aqui -, o doutor Alysson Zanatta discorre sobre o endometrioma e como este cisto de “chocolate” impacta a reserva ovariana da endomulher.

Você sabia que ter endometrioma significa que a portadora tem pelo menos algum foco profundo na pelve? Infelizmente, poucos médicos sabem disso, pois recebo inúmeros emails de mulheres que operaram e só tinha um endometrioma.

Vale lembrar que para retirar toda a doença não basta só fazer a cirurgia de excisão/ resseção – leia os textos “Falemos de excisão/ ressecção e não de cauterização” e “Se a excisão completa é o padrão ouro para o tratamento da endometriose, por que é tão raro?”, mas o cirurgião precisa conhecer e reconhecer todas as manifestações da doença – leia o texto “A aparência visual da endometriose e seu impacto sobre nossos conceitos da doença”.

Além do endometrioma, o doutor Alysson explica sobre o exame anti-Mülleriano, usado para medir a reserva ovariana da mulher. Ele alerta porque os médicos não devem se prender apenas a este exame que mede a quantidade, mas não a qualidade dos óvulos.

O cirurgião excisista também fala sobre o congelamento de óvulos e o grande dilema que as mulheres com endometriose e com dificuldade de engravidar enfrentam: quando optar pela cirurgia e ou pela reprodução assistida.

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Por doutor Alysson Zanatta  
Edição: Caroline Salazar

Aconselhamento reprodutivo à mulher com endometriose – parte 2

 

O endometrioma ovariano significa doença avançada com impacto sobre a reserva folicular: 

O endometrioma ovariano é o cisto de endometriose que se forma no ovário de aproximadamente 20% das mulheres que têm endometriose.

O endometrioma está associado a 99% de chances de haver, pelo menos, uma lesão de endometriose profunda (6). Devido à esta alta associação, não há benefícios da cirurgia realizada para tratar o endometrioma isoladamente.

Possivelmente, a reserva folicular do ovário com endometrioma já estará reduzida ao momento do diagnóstico (7). E quanto maior o endometrioma, maior a possibilidade de dano cortical com redução do número de folículos / óvulos.

Assim, um diagnóstico precoce da endometriose profunda antes do surgimento do endometrioma poderia possivelmente nos levar a uma intervenção que teria o potencial de preservar a reserva ovariana daquela mulher.

… possivelmente, a reserva folicular do ovário com endometrioma já estará reduzida ao momento do diagnóstico…

O hormônio anti-Mülleriano não deve ser usado isoladamente para tomada de decisões reprodutivas:

O hormônio anti-Mülleriano (AMH) é o método atual de maior aceitação para avaliação da reserva ovariana. É amplamente utilizado para decisões e aconselhamento de mulheres inférteis e de mulheres que desejam postergar a maternidade.

Entretanto, existe uma carência de padronização entre os laboratórios e os resultados podem ser altamente variáveis. Com o AMH, podemos prever a resposta ovariana durante um ciclo de estimulação, porém não as taxas de gestação.

Uma recente revisão que avaliou mais de 5.700 mulheres submetidas à tratamento de fertilização in vitro (FIV) demonstrou que a dosagem de AMH não acrescentou dados para predição das taxas de gestação. A idade da mulher é que foi o fator mais significativo para predição de gravidez (8).

Portanto, assim como a contagem de folículos antrais (AFC) realizada pela ultrassonografia, a dosagem de AMH nos dá uma predição quantitativa da reserva ovariana, porém não qualitativa.

Por esse motivo, não devemos basear nosso aconselhamento reprodutivo (e nossas escolhas) exclusivamente nos valores de AMH. Essa deverá ser baseada em toda a história clínica da mulher.

Cuidado maior ainda deve ser tomado para não “selarmos” negativamente o destino reprodutivo de uma mulher após um resultado ruim de AMH, especialmente naquelas mais jovens.

… não devemos basear nosso aconselhamento reprodutivo (e nossas escolhas) exclusivamente nos valores de AMH. Essa deverá ser baseada em toda a história clínica da mulher. Cuidado maior ainda deve ser tomado para não “selarmos” negativamente o destino reprodutivo de uma mulher após um resultado ruim de AMH, especialmente naquelas mais jovens…

Congelamento de óvulos em mulheres com endometriose:

O declínio da fertilidade relacionado à idade já constitui a principal indicação para o congelamento de óvulos nas clínicas privadas.

Essas são aquelas mulheres que desejam adiar a maternidade por motivos sociais, como um melhor momento profissional ou durante o relacionamento conjugal. Parte dessas mulheres terá endometriose, o que pode aumentar o desejo para o congelamento.

Ainda há pouquíssimos relatos de gestação em mulheres que fizeram congelamento de óvulos por endometriose e que engravidaram a partir desses óvulos congelados sem tratarem a endometriose.

Quando avaliamos as mulheres que se submetem ao congelamento, verificamos que apenas 3-10% dessas retornam para tentar engravidar.

Garcia-Velasco e colaboradores (9) relataram 560 mulheres que fizeram criopreservação, das quais 6,8% por endometriose. Destas, 13% retornaram.

Houve apenas 1 (0,2%) gestação resultante de óvulo congelado, porém os autores não mencionaram se essa ocorreu em paciente com endometriose ou em mulher que tenha feito o congelamento por outro motivo.

Ainda que seja uma realidade presente e revolucionária, não sabemos com exatidão como a endometriose poderia afetar as chances de gravidez em uma situação onde os óvulos foram coletados “mais jovens”, mas que a doença ainda estaria presente (não tratada).

Como mencionado anteriormente, a endometriose pode interferir em todas as etapas da fecundação e da implantação do embrião.

No momento, ainda não temos dados para assegurar a uma mulher que tenha endometriose e que opte por congelar óvulos que ela conseguirá uma gestação no futuro a partir daqueles mesmos óvulos congelados.

… ainda que seja uma realidade presente e revolucionária, não sabemos com exatidão como a endometriose poderia afetar as chances de gravidez em uma situação onde os óvulos foram coletados “mais jovens”, mas que a doença ainda estaria presente (não tratada) …

Cirurgia e/ou tratamento de reprodução assistida para a paciente infértil?

Esta é uma discussão ampla e controversa. Temos a tendência natural de sugerirmos caminhos que já conhecemos, que temos experiência, ainda que eventualmente não estejam nos anseios daquela mulher.

Informação adequada, completa e isenta são fundamentais.

Até 95% das mulheres com endometriose profunda têm dor (10). Após uma anamnese direcionada, costumo sempre perguntar às pacientes: “Você sente que essas dores são intensas o suficiente para que você se submeta a uma cirurgia, sabendo que terá boas possibilidades de ficar bem?”

Caso a resposta seja positiva, a cirurgia é a primeira opção, independente de haver infertilidade ou não. Caso haja dúvida, ou a resposta seja negativa, a cirurgia é uma opção entre outras.

O tratamento com reprodução assistida é particularmente indicado para aquelas mulheres sem (ou com pouco) sintomas, para aquelas acima de 37 anos e/ou que tenham diminuição da reserva ovariana e quando não há distorções anatômicas severas, como grandes endometriomas ou hidrossalpinge (trompas dilatadas).

Devemos considerar que a endometriose afeta negativamente (em até 50%, segundo alguns autores) os resultados da fertilização in vitro (FIV), independente do seu grau.

A inseminação intra-útero tem resultados insatisfatórios em mulheres com endometriose severa (11) e, a princípio, não seria a primeira opção para essas mulheres.

Por outro lado, 40 a 70% das mulheres com endometriose profunda poderiam gestar após 3 a 5 ciclos de FIV (12), caso tenham menos de 35 anos de idade, e consigam fazer tentativas repetidas.

O principal benefício da cirurgia de remoção máxima (nota da editora: cirurgia de excisão/ ressecção) da endometriose é aumentar as chances de gestação espontânea, restabelecendo condições anatômicas favoráveis e melhorando a implantação do embrião no útero, ainda que por mecanismos desconhecidos.  

Em média, há 50% de chances de concepção espontânea no primeiro ano após a cirurgia, mesmo nos casos severos (13). E ainda, a cirurgia completa é a única opção que trata simultaneamente a dor e a infertilidade.

É importante destacar que as mulheres operadas antes dos 25 anos idade apresentam formas mais leves da doença (1,14). Neste grupo, as taxas de gestação espontânea ultrapassam 80%, tornando-se iguais às da população geral (14).

Possivelmente, a remoção cirúrgica precoce da endometriose poderia preservar a fertilidade em mulheres que se tornariam inférteis no futuro. O desafio é identificarmos aquelas com maior potencial para se tornarem inférteis.

Como já mencionado, a presença de endometrioma ovariano é um sinal de doença avançada. Isso poderia motivar uma intervenção precoce, além, é claro, da presença de dor.

Os resultados da cirurgia dependem da remoção máxima da doença. Sugere-se que a endometriose profunda seja raramente recorrente e que, casos diagnosticados como recidiva, representem, na verdade, persistência da doença (10).

… a remoção cirúrgica precoce da endometriose poderia preservar a fertilidade em mulheres que se tornariam inférteis no futuro. O desafio é identificarmos aquelas com maior potencial para se tornarem inférteis. Como já mencionado, a presença de endometrioma ovariano é um sinal de doença avançada. Isso poderia motivar uma intervenção precoce, além, é claro, da presença de dor…

Conclusões:

A endometriose pode impactar negativamente a fertilidade da mulher em todas as idades, o que não significa que ela necessitará de tratamento para engravidar.

A doença está associada à uma subfertilidade, mais do que uma infertilidade absoluta. O uso de pílulas anticoncepcionais não previne o surgimento de formas avançadas, tampouco o surgimento de novos focos de endometriose.

O endometrioma ovariano significa doença severa e pode causar redução da reserva folicular. Ainda assim, o principal fator determinante de gravidez é a idade materna.

A associação de endometriose severa e idade acima dos 37 anos torna a gestação natural pouco provável.

A adolescência representa o período ideal para que possamos diagnosticar a doença e tratá-la de forma adequada, já que a fecundidade das mulheres tratadas nessa idade pode ser igual à da população geral.

O diagnóstico precoce, aliado a decisões corretas e tomadas no momento de vida ideal, podem significar a diferença entre gestar ou não gestar.

Referências Bibliográficas:

  1. Ventolini G, Horowitz GM, Long R. Endometriosis in adolescence: a long-term follow-up fecundability assessment. Reprod Biol Endocrinol. 2005; 3:14.
  2. Haney AF. Endometriosis-associated infertility. Baillieres Clin Obstet Gynaecol. 1993; 7:791-812.
  3. Akande VA, Hunt LP, Cahill DJ, Jenkins JM. Differences in time to natural conception between women with unexplained infertility and infertile women with minor endometriosis. Hum Reprod. 2004; 19:96-103.
  4. Adamson GD, Pasta DJ. Endometriosis fertility index: the new, validated endometriosis staging system. Fertil Steril. 2010; 94:1609-1615.
  5. Chapron C, Souza C, Borghese B, et al. Oral contraceptives and endometriosis: the past use of oral contraceptives for treating severe primary dysmenorrhea is associated with endometriosis, especially deep infiltrating endometriosis. Hum Reprod. 2011; 26:2028-2035.
  6. Redwine DB. Ovarian endometriosis: a marker for more extensive pelvic and intestinal disease. Fertil Steril. 1999; 72:310-315.
  7. Kitajima M, Defrere S, Dolmans MM, et al. Endometriomas as a possible cause of reduced ovarian reserve in women with endometriosis. Fertil Steril. 2011; 96:685-691.
  8. Broer SL, van Disseldorp J, Broeze KA, et al. Added value of ovarian reserve testing on patient characteristics in the prediction of ovarian response and ongoing pregnancy: an individual patient data approach. Hum Reprod Update. 2013; 19:26-36.
  9. Garcia-Velasco JA, Domingo J, Cobo A, Martinez M, Carmona L, Pellicer A. Five years’ experience using oocyte vitrification to preserve fertility for medical and nonmedical indications. Fertil Steril. 2013; 99:1994-1999.
  10. Koninckx PR, Ussia A, Adamyan L, Wattiez A, Donnez J. Deep endometriosis: definition, diagnosis, and treatment. Fertil Steril. 2012; 98:564-571.
  11. Gandhi AR, Carvalho LF, Nutter B, Falcone T. Determining the fertility benefit of controlled ovarian hyperstimulation with intrauterine insemination after operative laparoscopy in patients with endometriosis. J Minim Invasive Gynecol. 2014; 21:101-108.
  12. Ballester M, Oppenheimer A, Mathieu d’Argent E, et al. Deep infiltrating endometriosis is a determinant factor of cumulative pregnancy rate after intracytoplasmic sperm injection/in vitro fertilization cycles in patients with endometriomas. Fertil Steril. 2012; 97:367-372.
  13. de Ziegler D, Borghese B, Chapron C. Endometriosis and infertility: pathophysiology and management. Lancet. 2010; 376:730-738.
  14. Wilson-Harris BM, Nutter B, Falcone T. Long-term fertility after laparoscopy for endometriosis-associated pelvic pain in young adult women. J Minim Invasive Gynecol. 2014.

Fonte imagem destaque: Deposit Photos/ Caroline Salazar
Texto publicado no blogspot no dia 25 de fevereiro de 2015

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