No mês de junho, a maioria do nosso conteúdo do blog e das redes sociais foi pensado em levar não só a conscientização sobre a infertilidade, mas também em desmistificar e ajudar milhares de casais que são tentantes.
No Brasil são mais de 8 milhões de pessoas que tentam o sonho de construir suas famílias, mas por algum problema não consegue de forma natural. Apesar de a infertilidade ser considerada uma doença, os tratamentos de reprodução assistida não são cobertos pelos planos de saúde.
E, por aqui, o tratamento particular é inacessível para maioria dessas pessoas e pelo sistema público, além da escassez de centros especializados pelo país, o tempo de espera é muito longo, o que reduz as chances de muitos casais.
Mas você sabia que é um direito seu ter acesso a esses tratamentos?
Pois é, você, como cidadão (ã) brasileiro (a), precisa saber quais são seus direitos para ir em busca deles. E a coluna EndoJurídica vai lhe ajudar a entender mais sobre o tema com um texto especial da advogada Milena Bassani, especialista em Direito Médico e da Saúde.
A meu ver toda pessoa precisa entender sobre seus direitos, exigi-los e lutar por eles, se necessário. Nunca desistir. Sugestões de temas ou dúvidas envie para endojuridica@gmail.com. Beijo carinhoso! Caroline Salazar
Direito aos tratamentos de reprodução assistida!
Por Milena Bassani
Edição: Nathália Veras
Junho é o mês mundial da conscientização da infertilidade, uma doença que atinge 15% da população segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde). Ou seja, 1 a cada 6 casais tem problemas para engravidar.
E para dar início a este texto vou esclarecer a diferença entre infertilidade e esterilidade.
A esterilidade é a incapacidade do corpo em produzir ou excretar gametas (nas mulheres os óvulos e nos homens espermatozoides), enquanto na infertilidade essa produção existe, mas não é capaz de gerar uma vida.
A infertilidade pode ser classificada como primária ou secundária. Tem-se como primária a incapacidade de engravidar ou de levar à gestação a termo (37-40 semanas), quando há abortos espontâneos.
E quando o casal já tenha passado por gestação de sucesso anterior, mas agora não consegue mais engravidar ou levar à gestação ao final, temos a infertilidade secundária.
Tanto a infertilidade primária quanto a secundária podem ocorrer por causa da infertilidade biológica.
Na mulher, ela acontece por doenças como a endometriose, adenomiose, hidrossalpinge, aderências pélvicas, SOP, trombofilia ou mesmo o fator idade.
Já no homem pode ser em decorrência da azoospermia (ausência de espermatozóide), oligospermia (baixa produção de espematozóide), de doenças como a varicocele e caxumba com acometimento testicular e até uso de anabolizantes.
E, também não devemos esquecer que além de existirem problemas de saúde meramente biológicos, há a chamada infertilidade social, que é a impossibilidade de uma gestação natural por casais homoafetivos.
Todas estas modalidades de infertilidade estão inseridas no CID-10 (Classificação Internacional de Doenças da OMS) como: N-97 (0-9) feminina e N-46 masculina, e, portanto, todos, igualmente, necessitam de tratamentos de reprodução medicamente assistida.
Pode parecer coisa do passado, mas em pleno século 21, ainda se acredita que a mulher é o fator principal de infertilidade na relação conjugal. Precisamos mudar esse pensamento urgentemente!
Hoje as chances de infertilidade de um casal são de 40% para cada, ou seja, o homem e a mulher são igualmente possíveis de serem inférteis. Por isso a investigação das possíveis causas de infertilidade deve ser iniciada no CASAL simultaneamente.
Quando falamos de infertilidade, inúmeros sentimentos se entrelaçam, como a incapacidade, castigo, culpa, rejeição, angústia e insegurança.
Por isso todos os casais que atravessam este processo de tratamento e buscam pelo sonho de construir sua família, precisam de atendimento multidisciplinar para superar e ter bons resultados na reprodução assistida.
Diante do diagnóstico de infertilidade muitas incertezas tomam conta do casal e a principal delas é se vão conseguir fazer o tratamento a tempo de engravidar, seja pelo dinheiro no atendimento privado ou pela fila de espera para tratamento público.
Sim, o SUS (Sistema Único de Saúde) é obrigado a fornecer o tratamento de infertilidade, porém, hoje temos poucos centros de reprodução ativos.
Veja abaixo a listagem dos Estados que possuem algum tipo de atendimento:
Belo Horizonte (MG) – Hosp. das Clinicas da UFMG
Brasília (DF) – Hosp. Materno Inf. de Brasília (HMIB)
Goiânia (GO) – Hospital de Clínicas
Natal (RN) – Mat. Escola Januário Cicco
Porto Alegre (RS) – Hosp. N. Senhora. da Conceição – Fêmina – Hosp. das Clínicas
Recife (PE) – Instit. De Med. Int. Prof. Fernando Figueira – IMIP
Rio de Janeiro (RJ) – Instituto de Ginecologia da UFRJ
São Paulo (SP) – Hosp. das Clínicas – Cent. de Ref. da Saúde da Mulher – Pérola Byington – Hosp. das Clínicas FAEPA Ribeirão Preto – UNIFESP – Faculdade de Medicina do ABC
Além de já serem poucos, alguns centros oficialmente abertos não fazem mais o procedimento, como é o caso do IMIP no Recife, que hoje possui apenas alguns embriões congelados aguardando o decurso do prazo de 3 anos estipulado pela Resolução nº 2.168/17 do Conselho Federal de Medicina para o descarte legal, ou encaminhamento destes embriões para clínica de escolha dos pais biológicos.
Quando passamos para o âmbito privado, a barreira formada são os valores dos procedimentos. Por isso buscamos a cobertura do tratamento pelos planos de saúde, tornando-se um tema muito debatido no Judiciário.
O direito ao tratamento para infertilidade existe e está instituído na Constituição Federal que garante o PLANEJAMENTO FAMILIAR, com especial proteção do Estado, assim como pela Lei 9.263/13 e Lei 9.656/98.
Neste caso, o casal deve buscar o plano de saúde com a requisição do procedimento e relatório médico e solicitar a cobertura, que certamente será negada.
Com essa negativa, o próximo passo é buscar um advogado especializado para requerer essa cobertura judicialmente.
Em junho de 2019 escrevi aqui no A Endometriose e Eu um artigo sobre o direito ao planejamento familiar e o direito reprodutivo para o casal infértil “Infertilidade e Planejamento Familiar: Você sabe quais são seus direitos?”
Por fim, remeto uma reflexão às palavras do filósofo, Arthur Schopenhauer, no século 19, que descreve no seu livro “A metafísica do amor”, que o amor é como um artifício usado pela nossa biologia para reprodução de nossa espécie, e passado séculos e com todos os avanços tecnológicos, o amor ainda continua sendo esse artifício, afinal, a maternidade/paternidade começa no coração antes de tudo, através do amor.
Por isso, devemos conscientizar sempre a população sobre a importância de buscar o tratamento, especialmente no mês de junho, pois estes pais, que buscam incansavelmente superar estas barreiras, já brotaram o amor paternal dentro de seus corações muito antes de um Beta hCG positivo.
Milena Bassani Santana Di Pierro
Advogada Especialista em Direito Médico e da Saúde OAB/SP 298.858
endojuridica@gmail.com
www.direitomedicosaude.com.br