David Redwine: Adenomiose – definição, sintomas, diagnóstico e tratamento!

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Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar

Adenomiose: uma causa comum de sintomas uterinos após os 30 anos de idade

 

Adenomiosis Uteri é um desarranjo glandular do músculo uterino. É uma causa comum de dores uterinas após os 30 anos de idade. Ao invés de simplesmente lançar esta definição clínica sem explicações adicionais, acho que faz sentido abordar alguns de seus principais aspectos.

Pronúncia: a-de-no-mi-o-se

A primeira coisa a se saber sobre a adenomiose é como pronunciá-la. O primeiro “a” é curto, como o “a” de “amor”. O “deno” é pronunciado como “dente”. Em outras palavras, o “e” é curto. O restante da palavra é pronunciado como se escreve, com acentos no “a” e no segundo “o”.

Definição:

A segunda coisa a se saber sobre a adenomiose é o que ela significa. O termo médico adenomiose uteri é sucinto e descritivo caso você se lembre do seu Latim do segundo grau (tudo bem, eu posso estar entregando a minha idade aqui).

A parte “adeno” da palavra é um termo médico que indica algo que tem glândulas. A parte “mio” refere-se a músculo. O “ose” é um sufixo genérico que implica desarranjo (irregularidade) do órgão ou tecido que precede o sufixo.

Em outras palavras, adenomiose é uma irregularidade de glândulas em um tecido muscular. Em Latim, uteri é a palavra para útero. Coloque tudo isso junto e você terá Adenomiose Uteri: um desarranjo glandular do músculo do útero.

Anatomia do Útero:

O útero é um órgão estruturalmente simples que tem basicamente apenas dois tipos de tecido: o endométrio e o miométrio.

1. O endométrio:

Este é o revestimento interno do útero que produz o fluxo menstrual e no qual o óvulo fertilizado se implanta no início da gravidez.

As camadas mais superficiais do endométrio descamam-se e são eliminadas a cada mês com o fluxo menstrual, para então se regenerarem a partir das camadas profundas. O endométrio contém glândulas em sua estrutura.

2. O miométrio:

Este é o músculo relativamente espesso que dá ao útero sua forma semelhante à uma pera. A atividade muscular é importante para expelir o bebê do útero durante o parto.

Essa atividade muscular pode também ser dolorosa quando o útero estiver expelindo grandes coágulos que podem ocorrer durante um ciclo menstrual. Normalmente, esses dois tecidos não se misturam.

Na condição da adenomiose, a parede muscular uterina é invadida por tecido de seu revestimento. Há duas teorias para explicar como o músculo é invadido pelo revestimento endometrial.

Considera-se que muitos casos possam ser explicados pela invasão direta do endométrio no miométrio logo adjacente. Essa teoria é suportada pelo fato que durante o exame microscópico da adenomiose no laboratório, é possível acompanhar o endométrio formando uma camada contínua e ininterrupta desde a sua localização habitual e observá-lo invadindo o músculo.

Uma segunda possibilidade é que por algum motivo o músculo uterino pode se transformar em um tecido que se parece com o endométrio. A mudança de um tipo de tecido em outro é chamada de metaplasia.

A metaplasia é suportada pelo fato que algumas “ilhas” de adenomiose podem existir no interior do músculo uterino sem nenhum contato aparente com o revestimento endometrial.

Nós não sabemos porque algumas mulheres desenvolvem adenomiose, mas ela se torna mais comum com o envelhecimento. Ela é mais comumente diagnosticada na faixa dos 30 aos 45 anos de idade.

Alguns autores acreditam que a doença esteja relacionada à gestação, sob a hipótese que o estresse do parto e o subsequente reparo uterino possam permitir que células endometriais invadam a parede muscular.

Entretanto, a adenomiose também pode ocorrer em mulheres que nunca engravidaram.

Sintomas:

Dor uterina e sangramento são os principais sintomas da adenomiose.

Os sintomas costumam aparecer após os 25 anos de idade, mas a adenomiose pode ocorrer em mulheres mais jovens. Não causa surpresa a presença de dor se você considerar que glândulas hormonalmente ativas que invadem o músculo secretam algo que o irrita.

Imagine como o seu bíceps (músculo do braço) doeria se você tivesse pequenas fábricas de glândulas em seu interior produzindo suco de limão ou algum outro líquido irritativo.

A dor uterina pode ocorrer por várias maneiras. A mais óbvia seriam as cólicas uterinas com o fluxo menstrual, mas algumas mulheres podem ter essas cólicas dias ou mesmo semanas antes do fluxo menstrual.

Algumas poucas mulheres podem ter cólicas uterinas durante todo o mês, com piora durante a menstruação. É como se o útero estivesse sendo queimado por carvão quente em seu interior. A irritação crônica pode levar a outros tipos de dor.

Se o útero dói como um tornozelo torcido, então qualquer coisa que atinja esse órgão pode causar dor. O útero repousa diretamente sobre a porção final da vagina e é tocado durante o ato sexual.

Se o útero está irritado por adenomiose, pode haver dor durante a relação sexual, particularmente próximo ao período menstrual. 

Em sua parede posterior, o útero também pode ser tocado por fezes que passam pelo reto, e isso pode gerar dor associada aos movimentos intestinais.

A expansão e a contração da bexiga também podem afetar o útero, e algumas pacientes também podem ter dor durante à micção.

Em algumas raras pacientes, a analogia do “carvão quente” pode ser ainda mais clara do que você poderia esperar. Eu pude observar casos ocasionais de diarreia, distensão e náusea que se resolveram após a remoção do útero com adenomiose.

A adenomiose não é tida como causa de redução da fertilidade, apesar de que é virtualmente impossível saber o real efeito sobre a fertilidade, já que é difícil diagnosticar a doença nas mulheres que não retiraram o útero.

A adenomiose costumava ser chamada de “endometriose interna”, pois ela pode se parecer de alguma maneira com a endometriose quando é analisada sob o microscópio.

Porém, a adenomiose ocorre na parede muscular do útero, e não sobre superfícies pélvicas como ocorre com a endometriose. Não parece que a adenomiose seja mais comum em pacientes que têm endometriose.

Entretanto, ambas são causas frequentes de dor, e portanto, algumas mulheres podem ter dor por endometriose em fases iniciais de sua vida, e mais tarde devido à adenomiose.

Diagnóstico:

A história clínica é claramente importante para o diagnóstico de qualquer doença. Infelizmente, os sintomas da adenomiose (dor durante o ciclo menstrual, dor durante a relação sexual, dor com os movimentos intestinais durante a menstruação, etc.) podem se parecer com os sintomas da endometriose.

O questionamento e a escuta cuidadosos podem ajudar a distinguir entre as duas doenças. Eventualmente, a paciente irá relatar sua dor como sendo igual às cólicas do trabalho de parto. Isso pode nos ajudar a direcionarmos para o útero, ao invés de pensarmos em endometriose.

Muitas pacientes apontarão para o centro do osso púbico como a origem da dor e podem estar convencidas que elas identificam o útero como a causa da dor. O médico deve escutar essas pacientes e acreditar nelas.

Enquanto as pacientes com endometriose podem relatar uma sensação de cólica por sua doença, elas raramente relatam que essas cólicas sejam causadas definitivamente pelo útero. Outro ponto importante da história das pacientes é que a dor da adenomiose parece começar mais tardiamente do que a dor da endometriose.

As pacientes com endometriose descrevem a dor como se iniciando praticamente com o início dos ciclos menstruais, e dores adicionais podem ser relatadas após os 20 anos de idade. As pacientes com adenomiose parecem relatar a dor iniciando-se após os 30 anos de idade.

O útero está preso fisicamente à região lombar baixa pelos ligamentos úterossacros, à região superior da coxa pelos ligamentos redondos, e à região umbilical através do úraco e artérias umbilicais obliteradas que se originam a partir das artérias uterinas.

Portanto, muitas pacientes que tenham dor de origem uterina podem relatar dor nessas regiões. Isso pode ajudar a diferenciar a dor uterina da dor da endometriose.

A dor da endometriose pode se irradiar à região lombar baixa quando há doença invasiva nos ligamentos úterossacros, mas raramente se irradia às regiões superiores das pernas ou da região umbilical.

O exame físico pode ser útil já que o útero pode ser doloroso devido à adenomiose, enquanto sua porção posterior pode ser dolorosa devido à endometriose. Infelizmente, nem todas as pacientes são examinadas com uma palpação individual do útero para ver se este ou ambas as áreas são dolorosas. Muitos médicos estão interessados principalmente no tamanho, forma e posição do útero e tamanho dos ovários, mas não se interessam sobre pontos dolorosos específicos.

Não há teste sanguíneo para o diagnóstico da adenomiose, e ela é apenas eventualmente detectável à ultrassonografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética, já que a densidade do tecido pode não diferir o suficiente da parede muscular circunjacente.

Às vezes o útero pode ser descrito como levemente aumentado e de modo simétrico, com um padrão sombreado visto na musculatura uterina. Algumas formas de adenomiose podem ser vistas como nódulos ou ilhas de doença como pequenas pérolas na musculatura uterina, apesar que algumas lesões de adenomiose nodular podem alcançar o tamanho de uma bola de pingue-pongue.

Quando há uma adenomiose deste tamanho detectável ao exame de imagem, ela é geralmente confundida com miomas uterinos, outra condição benigna que pode estar associada com dor e sangramento.

A mensagem é que muitos casos de adenomiose não serão diagnosticados por exames complementares, e permanecerá a impressão médica de que ela esteja presente.

Os exames têm apenas dois resultados possíveis: será completamente normal ou identificará alguma anormalidade (que pode nem estar relacionada ao útero).

Se o resultado for normal, a paciente ainda terá dor. Se houver alteração, a paciente ainda terá dor. Portanto, nós voltamos à opinião médica que será baseada quase completamente na história clínica e no exame físico.

Enquanto isso possa parecer arcaico, lembre-se que você está pagando seu médico para exercitar seu julgamento baseado nas evidências disponíveis, e você frequentemente terá que acreditar nele (a).

A aparência visual do útero durante a cirurgia nem sempre ajuda no diagnóstico da adenomiose. Em muitos casos, o útero pode parecer completamente normal. Nesse caso, a adenomiose estará localizada inteiramente no interior da parede uterina e pode não estar associada a um aumento do volume uterino.

Ocasionalmente, o médico pode palpar (tocar) o útero com uma pinça durante a laparoscopia ou com os dedos durante a laparotomia e descrevê-lo como “amolecido”, indicando que o útero é mais esponjoso do que a média.

“Amolecimento” é impreciso, já que o útero pode estar um pouco aumentado e amolecido em mulheres que já tiveram filhos, mesmo que não haja adenomiose.

Em algumas pacientes, podem haver nódulos de adenomiose, porém que se parecem com miomas, e então o diagnóstico pode ser confuso. A questão volta à opinião clínica do médico. É possível realizar uma biópsia do útero, seja por laparoscopia ou histeroscopia.

Entretanto, geralmente não há um local óbvio a ser biopsiado, e a biópsia será realizada às cegas. Assim como os exames de imagem e a aparência visual do útero, uma biópsia às cegas terá dois resultados possíveis: será inteiramente normal ou poderá mostrar alguma anormalidade, como a adenomiose.

Se a biópsia for normal, a paciente ainda terá dor e poderá ter adenomiose oculta em algum outro local do útero. Dessa forma, a biópsia poderá confundir e não ajudar no tratamento da dor da paciente. Se a biópsia mostrar adenomiose, a paciente ainda terá dor e a presunção que será feita é que o restante do útero tem adenomiose.

Seja um exame de imagem, a aparência visual do útero durante a cirurgia, ou uma biópsia às cegas, o médico deve se perguntar “O que eu farei com o resultado desse exame?”. Se os resultados forem normais, seria dito à paciente que não há nada de errado e que seus sintomas não são reais? Tomara que não.

Se os resultados forem anormais, eles apontam para algo específico que possa ser tratado com uma alta probabilidade de resolução da dor e que não envolva a remoção do útero? Geralmente não.

Em muitos casos, a única maneira para o diagnóstico de certeza da adenomiose será a remoção do útero seguido do exame microscópico para checar se existe adenomiose. Mesmo assim, até 15% das pacientes que têm sangramento e dor claramente de origem uterina não terão achados significativos à biópsia.

Isso não significa que essas pacientes passaram por histerectomias desnecessárias, já que elas estarão finalmente curadas de seus sintomas. Significa apenas que não somos inteligentes o suficiente para sabermos todas as maneiras que o útero pode se comportar.

Tratamento:

O diagnóstico final e o tratamento definitivo da adenomiose requerem a histerectomia. Se a paciente tiver sintomas e sinais de adenomiose e já tiver completado a sua prole, então a remoção do útero trará as maiores chances de alívio dos sintomas uterinos com as menores chances de nova cirurgia futura para estes sintomas.

Dada a incapacidade dos exames de imagem diagnosticarem a doença, e já que os resultados dos exames ou das biópsias não trarão novas opções de tratamento para dores uterinas significativas, é claramente mais comum e aceitável que o ginecologista recomende a histerectomia baseado apenas na história clínica e no exame físico, sem outros testes adicionais.

A remoção do útero não trata a endometriose, portanto a endometriose deve ser removida caso seja encontrada durante a histerectomia por adenomiose. Mulheres com importantes dores uterinas ficam claramente surpresas pela maneira como se sentem após a remoção do útero.

A remoção dos ovários não é necessária, já que a adenomiose afeta apenas o útero. Obviamente, algumas mulheres têm a infelicidade de terem problemas ovarianos como cistos ou dor. Em algumas situações, tais mulheres podem se beneficiar da remoção concomitante dos ovários.

O tratamento médico pode ser uma opção para as mulheres que ainda não tiveram todos os filhos que desejam, ou que não estejam preparadas para a remoção do útero.

Como nenhum remédio erradica a adenomiose, o tratamento médico é frustrante para ambos médico e paciente, pois o melhor que fazem é mascararem os sintomas, e eventualmente com efeitos colaterais.

Como o útero é um órgão responsivo a hormônios, os hormônios são a base do tratamento médico. Seu médico pode prescrever pílulas anticoncepcionais, ou pílulas ou injeções de progesterona.

Apesar do fato que agonistas do hormônio liberador de gonadotrofinas como o Lupron terem demonstrado redução dos sintomas uterinos ou da adenomiose, os sintomas retornam rapidamente após o término do efeito da medicação.

Analgésicos, sejam com ou sem prescrição médica, podem ser usados para ajudarem as pacientes nos momentos mais difíceis. Eles podem mascarar sintomas, e os narcóticos podem causar problemas de tolerância a longo prazo, ou mesmo dependência química.

Resumo:

A adenomiose é uma causa comum de dores uterinas em mulheres acima dos 30 anos de idade. Em última análise, o diagnóstico da adenomiose depende primariamente de uma completa revisão e do entendimento da história clínica da mulher, além de informações do exame físico.

Atualmente, a remoção do útero é o melhor tratamento para essa doença.

Nota do tradutor: Assim como a endometriose, a adenomiose pode ser importante causa de dor pélvica e sangramento uterino irregular, como bem destacado neste artigo do doutor Redwine.

Porém, diferentemente da endometriose, nós não temos a opção de tratamento cirúrgico conservador (manutenção do útero) para aquelas mulheres que ainda não tiveram todos os filhos desejados. E isso pode ser muito frustrante.

Felizmente, as situações extremas e avançadas de adenomiose que inviabilizariam uma gestação são incomuns, especialmente na mulher jovem. Em boa parte das vezes, a doença é suspeitada pela ultrassonografia ou pela ressonância magnética, e merecerá acompanhamento periódico.

Em mulheres com diagnóstico precoce da doença e que ainda não gestou, o uso do dispositivo intrauterino (DIU) hormonal (Mirena®) pode ser uma boa opção para controle dos sintomas, e possivelmente, para controle da evolução da doença.

E, como mencionado, a histerectomia é uma ótima opção para aquelas mulheres que já gestaram e que sofram de sintomas intensos.

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