David Redwine: Endometriose em adolescentes!

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Um dos mitos que permeia a endometriose é a questão da idade. A doença não atinge apenas mulheres na idade reprodutiva, dos 15 aos 45 anos. Como diz o texto, já foi comprovado na literatura a doença em uma menina de 10 anos e meio.

Mas, afinal, quando ela começa?

Quando falamos dos focos da doença em si, já foi comprovada pela ciência a ​sua  presença em fetos na mesma proporção das mulheres adultas. ​Essa é uma das razões pela qual, nós do A Endometriose e Eu defendemos a teoria embrionária ou mulleriana, segundo a qual já nascemos com a doença em virtude de uma má formação. 

E, quando falamos dos sintomas, ​por sua vez, estes podem se iniciar já na menarca ou até antes, como eu, que me lembro de ter “minhas dores de lado”, que me impediam de brincar desde meus 8, 9 anos. Menstruei somente aos 13.

No texto, o doutor Redwine chama atenção para os sintomas da endometriose nas adolescentes, frequentemente ignorado, pois nesta fase, segundo ele, a doença ainda pode ser superficial e, consequentemente, mais fácil de ser erradicada. Porém, por este motivo, o cirurgião precisa “ter os olhos treinados e conhecer todos os focos”. 

É sempre importante lembrar que a cólica da endometriose é progressiva, ou seja, ela tende a aumentar com o tempo. Ainda assim não se deve ignorar a dor de uma adolescente e ou mulher que está impedida de fazer suas atividades em um dia e no outro aparentemente está bem.

Normalmente, a cólica começa antes ou durante o período menstrual e, com o passar dos anos, é que se torna praticamente constante, 24 horas por dia, sete dias por semana, e ainda pode persistir após a menstruação.

Ele pede atenção às meninas que deixam de ir à escola ou fazer qualquer outra atividade do dia a dia por conta da cólica. Eu passei por isso durante toda minha adolescência e fase adulta e sempre tive meus sintomas ignorados.

Ele também aborda os tratamentos, a culpa que colocam nas DST’s, a excisão da doença e o impacto que o tratamento completo precoce acarreta na fertilidade da endomulher. Tudo de acordo com sua experiência pessoal como 35 anos como cirurgião excisista.

Compartilhe mais um texto exclusivo do A Endometriose e Eu e ajude-nos a tirar os mitos da endometriose, levar uma nova conscientização e para que haja diagnóstico precoce ​e tratamento cada vez mais cedo para que nossas meninas não precisem sofrer. Beijo carinhoso! Caroline Salazar 

Por doutor David Redwine 
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar 

Endometriose em adolescentes!

A endometriose é uma doença com oportunidades iguais a todos, afetando mulheres de todas as idades. A paciente mais jovem relatada na literatura tinha 10 anos e meio, com apenas dois ciclos menstruais prévios. A mais velha tinha 78.

Sintomas:

Desde 1978, eu operei mais de 3000 mulheres com endometriose, sendo aproximadamente 100 delas com menos de 20 anos. Minha paciente mais jovem tinha 13 anos.

As adolescentes com endometriose geralmente tinham dores desde os primeiros ciclos menstruais, apesar de algumas terem dor após alguns anos. O termo médico para menstruações dolorosas é dismenorreia, o que significa ciclos menstruais difíceis.

Muitas pessoas naturalmente entendem a dismenorreia como uma cólica uterina. Isso pode ser verdade, mas um questionamento mais atento mostra que pode haver outros tipos de dor durante o fluxo.

Por exemplo, algumas pacientes têm dores que se iniciam até duas semanas antes do início do fluxo menstrual. Essa dor pode ser aguda, em queimação ou pode parecer uma cólica mesmo antes do fluxo.

Essa dor pode aumentar com a proximidade do ciclo, mas a paciente pode conseguir controlá-la com sucesso com analgésicos e, portanto, ela não ser percebida.

Essa mesma dor pode aumentar drasticamente com o surgimento do fluxo menstrual, resultando em absenteísmo da escola, do trabalho ou de outras atividades. Enquanto possa haver cólicas uterinas severas sobrepostas a esse tipo de dor, as cólicas podem não ser o único componente da dor.

Como a paciente pode estar tão doente durante o fluxo, a dor que a levou a ficar dessa maneira pode parecer trivial quando comparada. Assim, as mães, professores e amigos dizem frequentemente às adolescentes: “Isso faz parte de ser mulher” ou “São apenas cólicas de menstruação”.

Esse reforço de que tudo está bem pode levar a um atraso de vários anos até o diagnóstico de endometriose.

Com o início da vida sexual, elas podem perceber que as relações sexuais são dolorosas porque o local mais comum de ocorrência da endometriose é o fundo de saco de Douglas, que está no fundo da vagina atrás do colo do útero.

A doença no fundo de saco pode gerar dor com os movimentos intestinais particularmente durante o fluxo menstrual, pois a passagem das fezes no reto adjacente pode arranhar áreas dolorosas com doença no fundo de saco ou ligamentos úterossacros.

Algumas vezes, a paciente pode perceber dores enquanto se senta, já que o tecido mole do glúteo é empurrado para cima em direção ao fundo de saco.

Se a paciente tem um cisto de endometrioma no ovário, pode haver uma dor distinta naquele lado acometido, às vezes com irradiação da dor para o flanco ou abaixo na perna.

Avaliação Médica:

Uma questão difícil para os pais de adolescentes que sofrem com dor pélvica é o que fazer a respeito, pois muitos não querem se exceder se “isso é apenas cólica menstrual”.

O primeiro passo é perceber que se uma adolescente estiver perdendo dias de escola ou atividades diárias devido à dor, isso não é normal e, portanto, uma ajuda médica deve ser procurada.

Se a adolescente ainda estiver sendo vista por um pediatra, essa seria uma escolha inicial aceitável, apesar que os pediatras podem não ter muita experiência com dor pélvica e eventualmente se sentirem desconfortáveis em realizar um exame ginecológico.

Pode ser que seja melhor uma consulta com um ginecologista, apesar que nem todos os ginecologistas são igualmente habilidosos em diagnosticar e tratar a endometriose; muitos ginecologistas e obstetras concentram suas atividades no atendimento obstétrico ao invés do ginecológico.

A consulta médica deve incluir um exame ginecológico ou retal, apesar que este nem sempre ocorre. Há uma grande variação entre os médicos nos tipos de exames realizados. Os diferentes resultados dos exames físicos feitos na mesma paciente podem ser devidos a:

  • variação no tamanho dos dedos (médicos com dedos curtos não conseguem atingir o fundo de saco);
  • gentileza (nem todos os médicos realizam os exames com gentileza);
  • experiência (nem todos os médicos sabem as áreas que devem palpar);
  • expectativas sobre o que será encontrado (alguns médicos não querem encontrar nada, enquanto outros esperam encontrar infecções pélvicas);
  • expectativa de reação de uma paciente jovem ao exame (a dor pélvica durante o exame pode ser interpretada como uma resposta vergonhosa normal durante seu primeiro exame).

A endometriose se inicia como ilhas planas de várias cores sobre a superfície pélvica, portanto ela não será identificada à ultrassonografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética pélvica.

Os exames de bário do intestino geralmente são normais, assim como os testes de sangue. A paciente pode ser trivializada devido aos resultados normais dos exames.

Isso poderia levar a uma demora no diagnóstico, já que nada parece estar errado além de “apenas cólicas” e o médico pode hesitar em recomendar cirurgia sem nenhuma causa óbvia a se procurar.

Infelizmente, a cirurgia é geralmente a única maneira de certificar-se do diagnóstico. Felizmente, a decisão em se realizar a cirurgia é fácil de ser tomada: se uma paciente estiver deixando de fazer suas atividades diárias devido à dor que não responde ao tratamento com medicações ou se uma paciente estiver tomando analgésicos opioides (nota do tradutor: que contém derivados da morfina) para controlar a dor, então a cirurgia é necessária.

Qual é o tratamento?

A palavra “tratamento” pode ser interpretada de diferentes maneiras por diferentes médicos. Eu penso “tratamento” como algo que erradica a causa da doença, como antibióticos que matam as bactérias que estejam causando uma infecção urinária.

Outros acham que tratamento é fazer qualquer coisa para a doença, não importando se a erradicada ou não. Alguns médicos acreditam que não fazer nada é um tratamento.

Pensa-se que assegurar a paciente em dizer que “tudo é normal” será suficiente para que esta lide com sua dor.

A pergunta óbvia que se perde com essa estratégia é: “Por que a paciente, e frequentemente seus pais, arranjam tempo para se ausentar de seu trabalho ou escola e vir ao médico devido à dor incapacitante? Apenas para perder tempo?”

Eu não acho que o negligenciamento benigno seja uma boa estratégia. Anti-inflamatórios não-esteroides (como ibuprofeno, naproxeno, piroxicam, etc) podem ser prescritos e podem ajudar de alguma forma algumas pacientes.

Remédios opioides (como hidrocodona, oxycontin, tylenol com codeína, tylenol com oxycontin) podem ser necessários para dor severa e deveriam levantar o alerta vermelho aos pais, pacientes e médicos, porque claramente não é normal para qualquer pessoa tomar opioides, particularmente adolescentes que deveriam ser relativamente sem doenças.

Culpando as doenças sexualmente transmissíveis:

Nas faculdades, muitos médicos são ensinados que as doenças sexualmente transmissíveis (DST`s – doença sexualmente transmissíveis) são descontroladas devido a mulheres sexualmente promíscuas.

Esse é claramente um ponto de vista simplista e machista, porém geralmente presente na avaliação inicial da dor pélvica.

Mesmo quando uma adolescente relata ser virgem, ela pode ser submetida a testes e tratamentos antibióticos para supostas DST`s. Algumas vezes a paciente pode ser hospitalizada para receber antibiótico intravenoso.

Como a dor severa geralmente cede após algum tempo, conclui-se que a paciente esteja respondendo às medicações e que ela realmente tinha uma DST apesar de exames de cultura darem negativos.

Algumas pacientes passam por repetidos esquemas de tratamento com antibióticos até que as DST`s sejam descartadas como a causa da dor.

Frequentemente são prescritas as pílulas anticoncepcionais. Apesar delas poderem ser úteis no controle dos sintomas de algumas pacientes, não há nenhum remédio que erradique a endometriose.

Tratamento antes do diagnóstico?

Um laboratório farmacêutico, o fabricante do Lupron (nota do tradutor: medicação da classe dos análogos do GnRH, como o Zoladex), trabalhou durante vários anos para introduzir um novo paradigma no tratamento da endometriose: o tratamento da endometriose com injeções de Lupron sem um diagnóstico cirúrgico preciso.

Houve até mesmo o pagamento de uma monografia colorida que foi enviada a todos os ginecologistas na qual vários “experts” em endometriose sustentavam que a laparoscopia é inútil no diagnóstico e tratamento da endometriose porque ela é feita de forma tão ruim.

Enquanto a laparoscopia para o diagnóstico da endometriose possa nem sempre ser bem-feita, deveríamos condenar um método comprovado porque alguns não tem a habilidade de realizá-la ou a experiência para usá-la efetivamente?

Não faria mais sentido melhorar o conhecimento e as habilidades necessárias para sua realização, independentemente do método?

A conclusão condenando a laparoscopia poderia ser também vista como algo de ajuda própria. Tratar toda mulher com dor pélvica com algum remédio em particular seria certamente lucrativo ao fabricante.

Além do mais, essa abordagem levaria a um atraso no diagnóstico da endometriose ou alguma outra real causa de dor pélvica.

Apesar de ser afirmado que a redução da dor sob uso do Lupron prova que a paciente tem endometriose, isso certamente não é o caso.

Qualquer doença estrogênio-dependente pode melhorar com o tratamento do Lupron, incluindo miomas uterinos, adenomiose, dismenorreia porque os fluxos menstruais são interrompidos), dor da ovulação, pois a paciente não ovula sob uso do Lupron, causas desconhecidas de dor pélvica, e endometriose.

Portanto, a resposta da dor ao Lupron estreita as possibilidades diagnósticas a 5 ou 6 causas. Enquanto o alívio dos sintomas pode ser muito bem-vindo, deve-se lembrar que as medicações muitas vezes tratam os sintomas, não a doença, como neste caso.

Nenhum remédio erradica a endometriose. Quando o efeito do remédio passa muitas mulheres terão recorrência da dor em curto espaço de tempo após o retorno das menstruações.

Excisão da endometriose:

Como os remédios tratam apenas os sintomas, a cirurgia é o único tratamento para a endometriose. A questão que surge então é: “Qual o melhor tratamento cirúrgico?”.

A resposta é simples: aquele que erradica consistentemente toda a doença em todas as pacientes. Eu acho que a excisão da endometriose é a que mais chega perto de atingir esse objetivo.

Enquanto a vaporização a laser e a cauterização têm algum potencial de destruir a doença superficial, a doença profunda pode escapar de ser destruída e o cirurgião pode ter receio de cauterizar sobre estruturas vitais.

Resultados dos tratamentos:

O mecanismo de origem da endometriose pode afetar o tratamento cirúrgico. A endometriose é possivelmente causada por metaplasia (nota do tradutor: transformação de um tipo celular em outro) de células embrionárias.

Isso significa que há certos locais na pelve onde foram depositadas células embrionárias que se transformarão em endometriose sob estímulo do estrogênio após a puberdade.

Esses tecidos existem não apenas nas superfícies peritoneal, mas também como um substrato abaixo da superfície. Esses tecidos começam a formar endometriose durante a adolescência, terminando antes dos 30 anos.

Portanto, a endometriose em adolescentes é uma doença mais precoce que pode ser superficial e mais fácil de ser removida. Ela também pode ter aparência sutil e pode, então, passar despercebida mais facilmente se o cirurgião não souber todas as possíveis aparências da doença.

Além disso, pode ser que nem toda a doença tenha se formado quando uma adolescente passa por cirurgia.

Baseado em minha experiência cumulativa desde 1978, as adolescentes têm em média 2,9 áreas pélvicas e 0,13 áreas intestinais acometidas pela doença, em comparação a 3,6 áreas pélvicas e 0,41 áreas intestinais em mulheres acima dos 20 anos de idade.

Isso significa que nem toda a endometriose pode ter se formado no momento em que a adolescente passa por cirurgia e, portanto, há algum potencial para que a doença se forme mais tardiamente.

Enquanto seria ideal operar todas as mulheres com endometriose por volta dos 25 anos de idade, não é justo adiar a cirurgia para adolescentes devido à sua idade. A dor causada pela endometriose responde extraordinariamente bem com a remoção da doença.

Infelizmente, nem toda dor pélvica é causada pela endometriose, e pacientes com endometriose podem ter risco aumentado de desenvolverem mais tardiamente outras doenças ginecológicas, como miomas uterinos e adenomiose, apesar da dor recorrente ser frequentemente diagnosticada erradamente como endometriose, mesmo quando não é encontrada durante uma reoperação.

Cólicas uterinas verdadeiras nem sempre respondem à remoção exclusiva da endometriose e, portanto, uma neurectomia pressacral (procedimento de secção de um nervo) pode ser útil para as cólicas. 

Impacto na infertilidade:

Muitos médicos são contra a cirurgia porque acreditam que reduzirá a fertilidade da adolescente. Porém, a fertilidade em adolescentes após a excisão da endometriose é excelente.

Entre 48 mulheres que passaram por excisão da endometriose na adolescência (na minha experiência) e que responderam a um questionário em 1999: 17 tentaram gestar e 13 delas engravidaram.

Essas pacientes esperaram até 81 meses após a cirurgia para começarem a tentar a engravidar.

Portanto, não há nenhuma evidência de que a excisão da endometriose reduza a fertilidade da adolescente, ou de que haja uma “janela” obrigatória de 6 a 9 meses apenas após a cirurgia quando possa haver a gravidez.

Conclusões:

Os médicos tornam a endometriose mais difícil do que ela é realmente. A endometriose é a causa mais comum de dores em adolescentes e é tratável apenas pela cirurgia.

A melhor cirurgia é a remoção de toda a doença, e isso resulta em excelente alívio da dor e excelente futuro reprodutivo para as adolescentes com endometriose.

Nota do tradutor: Neste artigo, o doutor David Redwine chama a atenção de que os sintomas da endometriose quase sempre começam na adolescência, apesar de serem frequentemente ignorados.

O médico destaca que, adolescentes que deixem de ir à escola ou de fazerem suas atividades por dor pélvica, podem ter endometriose, sendo essa a causa mais comum de dor pélvica severa nessa fase da vida da mulher.

Ainda que a probabilidade de nova cirurgia seja maior para mulheres com endometriose operadas durante a adolescência, essa é certamente a melhor época na vida de uma mulher para que a doença seja diagnosticada e tratada efetivamente por cirurgia.

Para aquela adolescente que tenha cólicas severas e que não melhoram com analgésicos, a laparoscopia pode proporcionar um diagnóstico mais precoce (ao invés dos 7 a 12 anos de média de demora), uma remoção mais fácil da doença (já que esta é mais leve e superficial) e a preservação da anatomia pélvica e da fertilidade (possivelmente evitando os casos severos de endometriose avançada diagnosticados por volta dos 30 anos de idade).

Certamente faremos grandes avanços no combate à doença se melhorarmos nossos esforços com as adolescentes. Abraço, Alysson. 

Fonte imagem: Deposit Photos/ Caroline Salazar
Texto publicado no blogspot dia 09 de novembro de 2015

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