Após explicar quem foi John Sampson, qual sua teoria para endometriose e os problemas que essa teoria – da menstruação retrógrada – representa, na 3ª parte da série “Desvendando Sampson”, o doutor David Redwine esclarece qual é a melhor definição para a origem da endometriose baseada nos conhecimentos modernos.
Apesar de ser a teoria mais difundida por médicos e imprensa leiga, é preciso lembrar que ainda nenhum estudo conseguiu comprovar que células de menstruação refluída são capazes de se implantar em outros tecidos.
E a única comprovação científica que temos sobre o endométrio é justamente o contrário do que falam: histologicamente as células do endométrio nativo são diferentes das células dos focos de endometriose. Isso já foi provado pela ciência!
Sabiamente, como o gênio moderno da endometriose, o doutor Redwine aborda o que descobriu sozinho sobre a endometriose durante seus 35 anos como cirurgião excisista, como por exemplo, a cor dos focos que começa mais claro e vai escurecendo conforme a idade da mulher.
Um texto maravilhoso escrito por um cientista que estuda a endometriose há mais de 4 décadas e, feito, especialmente, para o público leigo, pois, em linguagem de fácil compreensão esclarece nos mínimos detalhes como se origina a endometriose desde a concepção.
Compartilhe mais um texto exclusivo do blog A Endometriose e Eu e ajude-nos a levar uma nova conscientização da endometriose. Beijo carinhoso! Caroline Salazar
Por doutor David Redwine
Tradução: Alexandre Vaz
Edição: doutor Alysson Zanatta
Quais são os requisitos para uma teoria de origem da endometriose?
Se quiséssemos construir uma teoria de origem da endometriose, existiriam muitos requisitos baseados no conhecimento moderno da doença.
Embora todo o mundo tenha acreditado nos últimos 70 anos que a endometriose é igual ao revestimento interno do útero, o endométrio, hoje sabemos que isso não é verdade.
Os focos possuem poucos receptores de hormônios, que variam em grau quando comparados com o endométrio nativo (o de dentro do útero), causando respostas imprevisíveis aos hormônios ovarianos produzidos artificialmente.
Ainda que muitas pessoas acreditem que a endometriose sangra a cada ciclo menstrual, foi demonstrado que esse sangramento é imprevisível, não respeitando os ciclos menstruais ou não havendo sangramento.
Isso causa as muitas variantes de aspecto visual da doença, que podem diferir da típica lesão “queimadura de pólvora”. Na verdade, a maioria das portadoras possuem lesões com aspecto visual “atípico”.
Portadoras mais jovens possuem lesões muito sutis, incolores e que podem mudar a sua aparência ao longo do tempo e se tornarem mais óbvias com a idade.
Sabemos que a endometriose pode ocorrer em muitas áreas do corpo. No entanto, ela é mais comum na pelve posterior e pode até ocorrer em homens. Pesquisadores da distribuição de endometriose na pelve ficaram surpresos pela consistência dos padrões encontrados na pelve.
Embora a teoria de Sampson preveja que a pelve se encha de endometriose como um barril, quando as portadoras chegam na casa dos 30 anos, os estudos sobre o mapeamento pélvico não encontraram um aumento do número de focos relacionado com a idade, bem como, não foi observado um aumento da superfície envolvida ou estágio da doença.
A teoria de Sampson também prevê uma taxa de recorrência de 100% após a destruição cirúrgica da doença, apesar de muitas portadoras não terem focos da doença quando reoperadas, mesmo sem ter usado terapia medicamentosa após a cirurgia.
A doença pode ser invasiva ou superficial, mas a doença superficial não se converte necessariamente em invasiva. A portadora pode, inclusive, ter doença superficial e invasiva lado a lado na pelve.
Adenomiose (endometriose no músculo do útero) e tumores fibroides do útero parecem desenvolver geralmente mais tarde nas portadoras, e prolapso da válvula mitral também pode ser mais comum com o passar do tempo e idade.
Estudos do sistema imunológico verificaram ligeiras diferenças como a diminuição das células natural killers (nota da editora: conhecida como NK, as células exterminadoras são um tipo de linfócito citotóxico fundamentais para o pleno funcionamento do nosso sistema imunológico e que combatem infecções virais e células tumorais).
Tendo isso sido postulado para facilitar a implementação do refluxo endometrial através da teoria de Sampson, as portadoras não parecem ter uma taxa de câncer mais elevada ou infecções oportunistas (exceto infecções com fungos menores, ainda assim questionáveis), que devem acompanhar um sistema imunológico decrépito.
Também, ninguém demonstrou o arsenal competente e robusto que deveria ocorrer no peritônio de pacientes sem endometriose como mecanismo do sistema imunológico normal.
Uau, isso é muita teoria para checar, e ainda nem falei sobre a especulativa associação entre endometriose e infertilidade. Enquanto que muitos pesquisadores levantem a mão e falem que é possível que tenham múltiplas teorias de origem envolvidas na doença, seria legal que uma única teoria pudesse explicar tudo.
Tentando combinar todos os requisitos descritos em uma única teoria, a maioria dos teóricos racionais são inevitavelmente conduzidos ao embrião. Existe sem dúvida algo diferente acerca das portadoras além do fato de que possuem uma doença pélvica que causa dor.
Não será pedir demais que todas essas manifestações ocorram subitamente após a puberdade? Não estaremos perante algo que surge na concepção? Como poderão todos estes fatores ser combinados? Vou dar a minha opinião em seguida.
MPE – Metapalasia Padronizada Embriologicamente:
No momento da concepção, o óvulo e o espermatozoide se combinam para formar uma nova massa de DNA destinada a se tornar em um novo ser humano. Existe um sistema que controla o desenvolvimento do embrião.
Esse sistema é capaz de diferenciar entre os vários tipos de células. Ele controla a diferenciação e a migração de células para os seus locais apropriados.
Esse sistema de controle embrionário possui características semelhantes aos encontrados no sistema imunológico: a capacidade de distinguir entre tipos de células e de agir sobre essas células de certo modo.
O DNA de pacientes destinados a desenvolver endometriose possui códigos genéticos variáveis que irão distribuir curingas – aquelas que serão no futuro portadoras de endometriose.
O curinga mais importante resulta em uma ligeira alteração no sisteema imunológico embrionário que controla a diferenciação e o desenvolvimento dos órgãos. É essa cartada que determina se uma mulher será portadora ou não.
Com esses curingas, o sistema de controle imunológico fetal adquire uma ligeira dificuldade em direcionar as células apropriadas para a pelve para se que forme o útero.
A diferenciação e migração da genitália interna feminina geralmente ocorre na superfície posterior da pelve. Nas portadoras, certos traços de tecido são depositados na superfície posterior da pelve, que ainda não são endometriose, mas poderão se tornar mais tarde na presença do estímulo certo.
Isso explica o porquê que a endometriose se encontra mais frequentemente no Saco de Douglas, ligamentos uterossacros e nos ligamentos largos. (Isso não se deve aos efeitos da gravidade como a teoria de Sampson afirma).
Esses traços de tecido envolvem primariamente o peritônio, mas podem envolver camadas mais profundas de tecido. Mas os curingas ainda não terminaram.
Um resulta em uma dispersão maior na distribuição desses traços em áreas mais remotas da pelve, tais como o diafragma, o trato intestinal, ou mesmo o cérebro.
Outro curinga controla o quão ativo um foco de endometriose será: áreas biologicamente mais ativas são mais prováveis de terem tecido cicatricial e doença profunda, e que também são mais prováveis de causar dor.
Ainda outro curinga determina se a portadora irá desenvolver prolapso da válvula mitral, artrite reumatoide, adenomiose ou tumores fibrosos no útero.
Na puberdade, os ovários começam a produzir estrogênio. A metaplasia (a mutação de um tipo de tecido em outro) está acontecendo como um procedimento normal da cérvix (colo do útero) e, também, em outros locais do sistema genital feminino como resultado da estimulação hormonal enquanto a menina se torna mulher.
Contudo, o estrogênio está também atuando nos traços de tecido caprichosos que foram depositados em locais errados na fase embrionária.
Esses tecidos começam a mudar e se tornam endometriose, com vários graus de distribuição geográfica, atividade biológica e capacidade de invasão que terão sido pré-determinadas geneticamente quando os curingas foram distribuídos no momento da concepção.
No começo esses tecidos não possuem cor, mas a passagem do tempo pode trazer consigo fibroses e cicatrizes em torno deles, o que pode fazer a cor mudar para amarelo ou branco.
Para além disso, a endometriose segrega uma substância ainda não identificada que desestabiliza os capilares próximos, fazendo com que a cor mude para vermelho ou quase preto. Essa substância também carrega glóbulos brancos, que podem libertar substâncias irritantes.
Esse estímulo do estrogênio pode ser aumentado por outras substâncias encontradas no ambiente que imitam esse hormônio, tais como as dioxinas (toxinas ambientais liberadas na atmosfera depositadas no meio ambiente).
Níveis mais elevados de estrogênio podem induzir mais receptores de estrogênio nos traços metaplásticos, resultando na expressão completa da força da doença pré-determinada.
Estudos sanguíneos em mulheres adultas com endometriose podem identificar anormalidades do sistema imunológico que são restos das ligeiras anomalias do sistema responsável pelo espectro de irregularidades no desenvolvimento associadas com a endometriose.
Essas anomalias do sistema imunológico são o eco do “Big Bang” da concepção. Contudo não são um fator facilitador permitindo a ocorrência de endometriose no adulto por virtude da menstruação retrógrada.
Mulheres com endometriose pélvica podem desenvolver vários tipos de dor pélvica. Aquelas com endometriose intestinal ou diafragmática desenvolvem sintomas intestinais, dor no peito ou no ombro.
Quando a endometriose é excisada cirurgicamente, os traços de tecido que sofrem metaplasia podem ser removidos totalmente e, nesse caso, a endometriose não irá ocorrer novamente no mesmo local.
Se os tecidos afetados estiverem mais profundos, a recorrência poderá ocorrer se esses traços não forem completamente removidos.
A taxa de recorrência, no entanto, é muito menor do que 100% prevista por Sampson, e quando a endometriose é descoberta, é geralmente muito menor do que a observada anteriormente.
Apesar da cura cirúrgica da endometriose por excisão, algumas pacientes podem ainda desenvolver adenomiose ou tumores fibrosos e que eventualmente necessitem de tratamento através de histerectomia.
Outra razão pela qual a teoria de Sampson não faz sentido é o fato de para alguns homens em idade avançada com câncer da próstata, um dos tratamentos é a remoção dos testículos e a aplicação de estrogênio.
Isso já resultou para alguns casos em diagnóstico de endometriose na bexiga masculina ou na próstata. Leia os dois textos que falam de endometriose em homens – texto 1 e texto 2).
Isso acontece porque até as primeiras 6 a 8 semanas de vida do embrião, os sistemas genitais masculino e feminino internos existem em todos os seres humanos. Nos machos genéticos, o sistema feminino deverá retroceder, mas Isso nem sempre acontece de forma perfeita.
E aí está. Essa é uma imagem da endometriose que é certamente mais complexa da que é proposta por Sampson. Mas uma imagem é tudo o que temos por enquanto.
Uma terapia medicamentosa eficiente para endometriose está a anos-luz se o foco da atenção continuar a ser dirigido para o refluxo menstrual como sendo a causa. Até lá, excisão agressiva da endometriose continua a ser a melhor forma de erradicar a doença.
Nota do Editor: como em todas as doenças, seu tratamento efetivo depende do conhecimento inequívoco de sua origem e desenvolvimento.
E a teoria da menstruação retrógrada que busca explicar a endometriose não conseguiu preencher estes critérios ao longo do último século. Ainda assim, é a teoria mais aceita, por motivos diversos.
Neste texto, doutor Redwine explica ao leigo como a endometriose se originaria ainda durante o período embrionário (gestação). É uma explicação plausível que pode justificar as diferentes formas de lesões observadas na mulher adulta.
E, caso mais aceita, poderá propiciar o desenvolvimento de medicações mais efetivas para o tratamento. Até lá, a informação é o melhor tratamento. Forte abraço. Alysson.