A coluna “História das Leitoras” foi criada há 9 anos para mostrar as várias facetas da endometriose. Não passava pela minha cabeça que um dia contaria nela tantos depoimentos de mulheres ajudadas pelo trabalho do A Endometriose e Eu.
Com tanta desinformação sobre a doença, levar uma nova consciência da endometriose é um trabalho árduo, mas não impossível. Por isso receber o testemunho da Cristina nos faz ter certeza que estamos no caminho certo.
Sei que muitas ainda têm dificuldade de enxergar a doença por um novo ângulo, mas para quem tem a ousadia e coragem de pelo menos sanar sua curiosidade, está se dando bem. Ou melhor, está ficando bem e se livrando da doença.
A história da Cristina me emocionou duplamente, pois além de eu ter voltado ao tempo e relembrar minha própria história (relembrei a dor que sentia, algo que ultimamente estava bloqueado no meu cérebro), fiquei feliz que ela superou o trauma da nova cirurgia e teve vontade de se tratar, de ir atrás do tratamento correto.
Agradeço muito por confiarem no trabalho do A Endometriose e Eu.
Graças aos nossos parceiros, do Brasil e do exterior, começamos um trabalho único e, até então, inédito, de tirar os muitos mitos da doença e espalhando uma nova conscientização mediante os ensinamentos de experientes cirurgiões. Beijo carinhoso! Caroline Salazar
“Meu nome é Cristina Cobra Guimarães, tenho 34 anos, sou advogada, moro em São José dos Campos, interior de São Paulo. Sou uma entusiasta da vida, amante de acrobacias aéreas e de uma boa cerveja.
Tudo começou na minha primeira menstruação, aos 15 para 16 anos. Lembro-me certinho desse dia, pois a esperava ansiosamente, mas ela não quis ir embora.
Menstruei por umas 3 semanas e, no mês seguinte, a mesma coisa.
Alguns meses depois, meu pai, mesmo não entendendo dessas coisas, preocupado me levou ao médico. O médico, então, me receitou um anticoncepcional. Comecei a tomar, ininterruptamente.
Nesse período todo, a menstruação durava em torno de uma semana com fluxo intenso, e sempre acompanhada de cólicas muito fortes. Se estivesse andando na rua, muitas vezes, tinha de me escorar em algum canto para não cair. Mas à base de remédios eu segui.
Em 2012, aos 27 anos comecei a sentir dores incapacitantes de não conseguir me levantar da cama. Com ela vieram dores esquisitas. Mesmo não sentindo dores durante o sexo, às vezes bastava um sonho erótico para eu acordar com uma dor intensa que mal conseguia respirar.
Nunca fui fã de ir ao médico, então, quando ia perguntava se era normal isso acontecer, e meu médico dizia que em alguns casos sim. Pedi um remédio para tomar direto para não menstruar mais.
De fato me alegrou, mas paulatinamente vieram alguns sintomas que não associei ao início do medicamento, como um cansaço absurdo, e um desânimo que eu sequer entendia.
As dores foram ficando mais fortes, apesar do uso de anticoncepcional sem pausa todo mês. Até que um dia minha irmã brigou comigo e disse que isso não era normal.
Por vezes, eu achava que tudo que sentia era algum tipo de fuga ou depressão, já que na época não sabia muito bem se queria continuar no meu emprego. Então, por vezes, achava que era psicológico para tentar não ir trabalhar, sei lá…
Nesse período todo eu não tive namorado e, muitas vezes, também me faltava libido. Por diversas vezes ouvi de diferentes pessoas que era frescura, e isso me fazia ficar calada na maioria das vezes.
Quando minha irmã me chamou a atenção, fui ao ginecologista e questionei, mas novamente me falou que era normal.
Nessa mesma época, minha irmã viu uma reportagem na tevê sobre uma atriz que tinha endometriose, e ai ela cismou que eu tinha essa doença de qualquer jeito.
Falei que relatei tudo ao médico e que ele não tinha se alarmado, e ainda disse que era para eu procurar outra coisa.
Em janeiro de 2014 sofri um acidente de carro, aos 29 anos, e fui ao hospital. A partir desse dia, não sei se tem relação, mas as dores pioraram bastante e, por insistência da minha irmã, voltei ao médico e pedi exame para endometriose.
Foi solicitado o CA125*, ele fez o exame de toque, e pediu também ultrassom com doppler para pesquisa de endometriose. Como no CA125 e no de toque não foi detectado nada, eu simplesmente larguei o ultrassom.
Em 2014, já com quase 30 anos, comecei acordar de madrugada vomitando de dor, e também perdia o controle das minhas funções urinaria e evacuatória.
Foi quando eu realmente achei que tinha algo errado comigo. Porém, a essa altura a barriga inchada já era algo habitual e as cólicas fortes também, mesmo sem menstruar.
Como nos exames anteriores não tinha dado nada anormal. Com isso comecei ir a vários médicos de especialidades diferentes. Fiz mais exames como tomografia e raio-X.
Numa consulta com um médico que fui para ver os rins, ele me disse que uma dor de rim não era da forma que a descrevi. Na hora falei: “Então, se não é rim, me indica um psiquiatra porque devo estar em depressão e ficando louca”.
Ele me disse não, essa dor que sente não é psicológica e a gente vai ter que descobrir o que você tem.
Nesse momento, aos 31 anos, minha qualidade de vida era péssima. Perdia compromissos de trabalho e pessoal com meus amigos. Não tinha vontade de fazer nada.
Há anos pratico tecido acrobático, e nem isso tinha mais vontade de fazer. Ainda mais porque algumas quedas apertam o abdômen e doía mais do que o normal.
Eu já não aguentava mais, pois já estava sofrendo há anos. Desde minha menarca tinha cólicas fortes e fluxos intensos, mas a partir dos 23 anos, as dores começaram a ficar muito fortes e menstruar era insuportável.
Aos com 27 sentia já outros sintomas como tristeza, letargia, umas cólicas que nem chamo de cólicas, pois era como se enfiassem uma faca na minha barriga. Sem contar o inchaço na barriga.
A essa altura, já com 30 anos, as dores eram tamanhas que perdia os sentidos e até a cor. Eu já não fazia ideia do que estava acontecendo.
Foi quando, mais uma vez, minha irmã, sempre ela (risos), deu um chilique e foi ao médico comigo. Ela pediu os exames específicos de endometriose e me fez fazer.
Perdi as contas das vezes que dormi sentada no chuveiro para aliviar as dores. Ou com um balde ao lado da cama para o vômito, e o ventilador ligado em mim. Mesmo no inverno para conseguir respirar.
Durante o exame veio à certeza antes mesmo do diagnóstico final, pois senti muita, muita dor para realizá-lo. Se não tivesse o preparo intestinal, certamente teria evacuado na mesa do exame.
Quando o exame terminou, eu já estava aos prantos de tanta dor. Minha mãe, que me acompanhou e entrou comigo, simplesmente segurava minha mão olhando para porta e chorando de me ver daquele jeito.
O médico disse: “Olha tem lesão aqui, mas é complicado. Com certeza precisará de uma cirurgia, e perguntou: ‘você quer ter filho’”?
Na hora me perguntei, mas que diabos é isso? Quero é parar de sentir dores absurdas. Nem imaginava que essa pergunta me faria perder noites de sono, pois até o momento sequer tinha pensado nisso.
No dia do meu aniversário de 31 anos, 23 de julho de 2014, após anos de dor intensa, e um ano e meio sem saber se eu estava com problemas psicológicos ou de fato com algum problema de saúde, recebi o diagnostico: endometriose profunda no retossigmoide e possível no ovário esquerdo.
O médico me acalmou como se não fosse nada demais, e como se minha dor não era tão forte assim. Disse que minha cirurgia seria aberta, pois ele não fazia a videolaparoscopia. No mesmo instante troquei o anticoncepcional que tomava pelo Allurene.
Fui a mais dois médicos da minha cidade que atendem convênio, e ambos disseram que não faziam por vídeo. Logo achei normal a cirurgia ser aberta, até porque eu só queria ficar boa.
A essa altura os efeitos colaterais do novo medicamento já eram tantos que eu já não tinha noção deles. Mas pelo que o médico disse não seria nada demais a cirurgia e, 3 meses depois, eu já estaria boa e continuaria o tratamento com Zoladex. E tudo ficaria bem.
No pré-operatório fiz uma colonoscopia, que apontava que por dentro do intestino estava tudo bem, mas um desvio na alça sigmoide dizia que havia alguma coisa fora.
Fui ao gastro indicado pelo médico, que também tratou o caso como se fosse algo super simples. E eu não tinha o que fazer a não ser confiar, pois não tinha conhecimento sobre a doença.
Na época, eu não quis buscar sobre ao assunto na internet, pois pensei que se procurasse muito, ia achar algo ruim, que ia morrer logo. Por isso não pesquisei muito a respeito.
Afinal eu iria operar e me curar, embora o médico tivesse dito claramente que a doença não tinha cura, mas que tinha tratamento. Enfim…
Seis meses após o diagnóstico, em fevereiro de 2016, fiz minha cirurgia. Nesse momento, o Allurene já tinha acabado com minha libido, com minha felicidade, e eu estava mais inchada do que nunca, com uma barriga que parecia de grávida.
Cirurgia feita! Porém, eu não imaginava que o pior estava por vir. Eu estava com muita esperança, mas o pós-operatório foi muito sofrido.
O corte foi enorme e, embora eu tenha uma ótima cicatrização -, ficou apenas uma linhazinha -, minha cicatriz parece que foi feito uns 3 cortes de cesárea um do lado do outro, quase de osso a osso da bacia. O pior é sempre ter de explicar que o corte não é de uma cesárea, apesar de hoje isso não me incomodar mais.
Mas o que é a estética perto da melhora que eu almejava ter. Porém, alguns dias depois da cirurgia, sangrei quase uma semana. E isso aconteceu durante o primeiro mês.
A dor foi terrível, mas como o corte foi grande, para mim estava tudo certo. Voltei ao médico para começar o tratamento de indução da menopausa.
E, se eu achava que minha vida tinha ido para o ralo com o Allurene, eu não imaginava os efeitos colaterais que o Zoladex 10,8mg, me trariam.
Nesse momento eu comecei a pesquisar na internet sobre cirurgias de endometriose, sobre a doença, sobre os remédios, e ai me deu um estalo de que eu havia errado muito feito em não ter pesquisado sobre o assunto antes da cirurgia.
Descobri que a cirurgia aberta não era recomendada, pois poderia gerar mais aderências. Cerca de 4 meses após a cirurgia tomei a injeção de Zoladex. Rapidamente veio os primeiros efeitos colaterais.
Meu plano de voltar à prática de acrobacias aéreas em tecido e para o crossfit, três meses após a cirurgia, foram por água abaixo, pois nesse período eu não conseguia nem me levantar sem apoio. Moro sozinha desde os 19 anos e essa impotência acabava comigo.
Para dormir colocava uma almofada de trapézio na cama para conseguir subir e me levantar. E isso piorou ainda mais toda a tristeza que eu sentia.
Nos relatos que encontrei vi que a maioria queria realizar o desejo de ser mãe. Nesse momento eu não me importava tanto com isso. Eu só queria ter a minha vida de volta, viajar sem medo, correr, me jogar sem dor.
Foi aí que percebi que a endometriose não era doença só do útero e da fertilidade. Para mim podia tirar tudo por dentro – ovários e útero-, se isso me curasse.
Eu nunca havia pensado em ter filhos, eu sempre pensei em curtir a vida, viver de braços abertos, e eu já não conseguia fazer nada disso. Então, o que o médico falasse para eu fazer, eu faria.
Após a injeção de Zoladex, meu cabelo caiu aos tufos, o inchaço na barriga persistia e tinha calorões típicos de menopausa. Sempre fui forte e não sou de me entregar, apesar dos pesares me levantava.
Fui atrás de tratamentos alternativos. Após 6 meses de cirurgia fui ao osteopata e mantive a quiropraxia, ambos me ajudaram a me levantar sozinha de novo. Também tomava chás para tentar amenizar os efeitos colaterais e alguns remédios.
Fui atrás de Pilates, pois sentia que não conseguia movimentar mais a barriga. Sabe quando murchamos a barriga? Então, eu não conseguia fazer isso, e também não conseguia levantar a perna alta.
Foi trabalho de formiguinha, mas aos poucos fui conseguindo com muito apoio desses profissionais e da minha família. Apesar de eu morar sozinha, minha família me apoiou bastante.
Menstruei e imaginei que isso aconteceria quando o efeito do Zoladex acabasse. Voltei ao médico, e ele me retornou para o Allurene. Disse que eu teria de tomá-lo para sempre.
Essa frase me doeu muito, porque eu sabia o quanto tinha me sentido mal com esse remédio, mas aceitei porque, afinal, não queria jamais passar por outra cirurgia. E no resto eu daria um jeito.
Lendo bastante fui alterando meu estilo de vida, com a esperança de achar algo que me fizesse parar o remédio. Logo as dores voltaram, e eram constantes. Nem sempre eram fortes, mas sempre um pouquinho, era um pouquinho o tempo todo.
Após o Zoladex voltei para o Allurene e nesse momento tive crises de pânico e problemas na tireoide (não sei se está ligado, mas nunca tinha tido), mas graças a Deus fui amparada pelo meu pai, minha irmã e minha religião.
Para o ginecologista que me acompanhava na época, isso era tranquilo. Eu já estava mal, triste, sem disposição, sem libido, com o corpo de uma forma que não gosto.
Estava insatisfeita com tudo, com crises de pânico e, aparentemente, teria que conviver com isso para o resto da vida. Para ele parecia que isso tudo não tinha muita relevância.
Como eu moro sozinha, muitas vezes, nesse período passei o fim de semana todo sem sequer abrir as janelas. Eu queria dormir, só dormir para ver se em algum momento eu acordaria melhor. Alguns amigos tentavam me tirar de casa, mas era difícil.
Durante a semana tentava seguir uma rotina para não deixar a peteca cair. Como não tinha namorado na época, sequer tinha vontade de ficar com alguém, e também não me importava muito com minha libido, mas acho que já estava negativa.
Um ano após a cirurgia resolvi voltar a fazer acrobacia aérea. Eu sempre amei muito e isso me motivaria a perder o peso que ganhei. A essa altura já tinha engordado 13 quilos e já estava pesando 72 quilos. Tenho 1,60m de altura. Voltei a praticar esportes, comecei a fazer dieta e meu humor foi melhorando.
Mesmo com o inchaço abdominal e sem sentir a barriga abaixo do umbigo, eu acreditava que tudo ia melhorar que eu me adaptaria ao Allurene e esses efeitos diminuiriam. De repente comecei a sentir dor de novo e fiquei desesperada para não dizer em pânico.
Num dia indo à academia – muitas vezes me forçava a ir porque era uma das poucas coisas que me faziam um bem tremendo mesmo que às vezes sentisse dor -, eu senti vontade de jogar o carro rio abaixo.
Mas olhei para o céu e para o sol, respirei fundo, e fui chorar na casa de uma amiga. Neste dia percebi que eu estava com depressão, e voltei para a terapia.
Era insuportável ter de dormir sempre do mesmo lado, na mesma posição por causa da dor. Eu não conseguia me espreguiçar de manhã, pois logo vinha uma fisgada na barriga.
Voltei ao médico em meados de julho de 2017, pois as dores já estavam bem fortes, e nesta época comecei a sentir dor também no ato sexual. Já estava com 33 anos.
Inchaço abdominal, tristeza, falta de vontade e uma dor chata praticamente constante, já fazia parte da minha vida. E novamente veio o diagnóstico: endometriose profunda praticamente nos mesmos lugares de antes da cirurgia.
Eu chorei muito, quase surtei. Ficava me perguntando: “O que eu tinha feito de errado?? “Qual era o meu problema?” Logo agora que eu já pensava na possibilidade de ter filhos.
Eu ainda não tinha 100% de certeza, mas queria ter a oportunidade de poder querer tê-los. Acho que essa decisão tinha que caber a mim e não a uma doença idiota. Porém, o que eu mais queria, acima de tudo, era ter uma vida de novo!
Perguntava para Deus o porquê de tamanha punição? O que eu tinha feito? O que tinha que aprender ainda para ter a minha vida de volta? Eu só não queria operar de novo e de jeito nenhum.
Como já estava lendo muito a respeito, procurei alternativas que me ajudaram bastante. Além da quiropraxia e osteopatia, comecei a fazer acupuntura, a praticar esportes e acompanhamento com nutricionista. A ideia de outra operação acabava comigo.
Eu teria mais um ano de recuperação sem poder fazer as coisas que mais amo. Já estava tomando o remédio que me tirava do eixo, e me fazia com que eu me sentisse uma pedra. Eu não sabia o que fazer.
Eu achei que ia morrer. Tinha lido relatos de como a endometriose entra dentro dos órgãos e isso me assustava muito, junto com a frase ‘não tem cura’, que o médico tinha me dito.
Ele foi enfático: “Eu falei que não tem cura, mas a gente pode operar de novo”. Como eu iria viver assim? Não ia dar: num ano cirurgia, mais outro ano para me recuperar. Operar de novo não!
Numa conversa com um amigo, que tem câncer já há alguns anos, ele me deu uma grande bronca e falou para eu procurar melhores especialistas, pois eu não precisava viver assim.
Mais pesquisas na internet e achei o blog A Endometriose e Eu. Comecei a ler os relatos e achava que alguns não se encaixavam na minha história. Poxa, logo comigo que nem ligava para maternidade. Eu só queria sair para esse mundão e ser feliz.
Comecei a ler muitos textos e percebi que a doença não se tratava disso, só de maternidade, mas se tratava de sonhos e que cada mulher tem o seu. Que se tratava de vida e de como ela era importante e de como ela era frágil.
Percebi também que estava perdendo a minha vida e isso não fazia sentido. Com o novo diagnóstico minha família também sofreu muito eu podia ver esse sofrimento nos olhos de cada um.
Porém, eles me respeitaram quando eu falei que não queria mais me tratar, mas eu via a angustia de eles não poderem fazer nada. Os dias passavam e eu piorando novamente. Fui à outra médica especialista em videolaparoscopia na cidade, e ela indicou fazer os exames no Rio de Janeiro.
Como não entrava na minha cabeça operar novamente dei uma enrolada. Até que comecei a ler a coluna “Com a Palavra, o Especialista”, do blog A Endometriose e Eu e comecei a pensar na possibilidade de procurar outra opinião.
Conheci um especialista aqui no blog, comecei a segui-lo e com o tempo as explicações que ele fazia pelas redes sociais foram me dando confiança e, em uma conversa com meu pai, decidi que iria tentar de novo. Viajei para capital paulista em março de 2018.
Desde o primeiro contato, o doutor e sua equipe foram sensacionais. Expliquei a ele sobre meu pavor da cirurgia. Desde o início, ao invés de só me indicar remédios, sempre muito atento abordou a qualidade de vida, nutrição e exercícios físicos.
Finalmente alguém parecia me compreender. Realmente eu sentia que ele entendia quando eu falava que a endometriose estava roubando a minha vida. Ele solicitou exames e pediu para serem feitos em São Paulo.
Essa cirurgia não seria qualquer uma. Ele me disse que seria possível retirar totalmente a doença. A cirurgia correta aliada a prática de esportes e uma alimentação saudável estavam melhorando e muito à qualidade de vida de suas picantes. Isso já renovou minha esperança e me deu uma nova forma de encarar as coisas.
Os exames solicitados foram ultrassom com doppler para pesquisa de endometriose e ressonância magnética com protocolo para endometriose, ambos com preparo intestinal.
Não são exames confortáveis. O contraste da ressonância consiste também em colocar gel na vagina e no ânus. É horrível, mas consegui fazer.
Retornei ao cirurgião e veio à confirmação: meu caso era cirúrgico, estava com endometriose profunda avançada e grau IV.
Porém, dessa vez, o pânico não tomou conta de mim, pois a segurança que o doutor cirurgião me passou, a compreensão sobre as dores que eu sentia e demais sintomas, além da explicação detalhada de cada coisa, me deixaram confiante.
A essa altura eu já estava acompanhando os relatos de cirurgias dele e já estava bem tranquila. Fiz toda a preparação e, 3 dias após meu aniversário, no dia 26 de julho de 2018, operei no hospital Sírio libanês, em São Paulo.
Por conta da lesão no retossigmoide me explicaram que talvez eu precisasse usar a bolsinha de colonoscopia, pois a lesão era muito próxima ao ânus. Bom, eu tentei não surtar. Confiei e respirei fundo.
Cirurgia feita com sucesso! Não sei explicar exatamente em termos técnicos, mas minha endometriose foi completamente removida.
Tinha endometriose no peritônio, no ureter, nos nervos pélvicos, no intestino, no reto septo vaginal, mas fiquei sem bolsinha. Meus órgãos reprodutores foram preservados. Minhas trompas, apesar de estarem tortinhas, e os ovários voltaram a aparecer novamente. Alguns furinhos no abdômen a mais e optei pelo DIU com hormônio.
Uma notícia que nunca achei que fosse me abalar me abalou. A notícia de ter sido restaurada a minha fertilidade. No final de tudo isso, essa novidade me trouxe um alívio bem grande.
O pós-operatório foi bem mais simples e mais fácil que o anterior, embora eu tenha alguns problemas com sensibilidade da bexiga.
Um mês após a cirurgia, eu acordei e me espreguicei. Sabe quando você faz isso com gosto, de esticar o corpo todo? Eu chorei, chorei de alegria e liguei para minha irmã para contar.
Depois enviei uma mensagem ao doutor para dizer que eu já conseguia me espreguiçar, e que tinha valido muito a pena a viagem para São Paulo para realizar a cirurgia.
Um acontecimento tão banal para alguns (se espreguiçar) que para mim era algo incrível. Sigo me espreguiçando todos os dias e dando muito valor ao momento em que abro os olhos e me espreguiço como gato.
Dois meses após a cirurgia, voltei a fazer exercícios, mas sempre respeitando os limites do meu corpo. Comecei com o yoga, tentei voltar para o crossfit, mas não foi sucesso. Já as acrobacias no tecido têm dado certo.
Coisas pequenas e mais leves. Tudo de novo, mais uma vez. Mas dessa vez, comecei a prestar mais atenção ao meu corpo e o doutor foi categórico em relação à qualidade de vida e aos níveis de estresse.
Eu sou advogada e isso é bem complicado controlar, mas hoje minha saúde vem em primeiro lugar e escuto meu corpo para tudo, principalmente em relação à alimentação.
Sei que alguns alimentos, os inflamatórios, incham minha barriga e não me fazem bem, me deixam até mais cansada, como, leite, pão, pizza…
Pode parecer estranho, porque eu às vezes achava bobeira isso, mas comecei a ouvir meu corpo.Mudei algumas coisas no trabalho e até alguns planos, mas hoje eu posso sonhar de novo porque eu consigo me mexer mesmo tendo engordado um pouquinho, e não estar 100% com a musculatura da barriga.
Tenho aprendido dia a dia a lidar com isso. Também fiz um diário da barriga, onde anoto qualquer coisa estranha que acontece no meu corpo para perguntar ao médico. Eu ainda estou me adaptando ao DIU e ao meu corpo sem tantos remédios.
Sentir dor não é normal!!! Não tem nada normal em sentir dor, seja no período menstrual ou fora dele. Não tem nenhuma vergonha nisso e não é loucura sentir dor. Se você sente dor tem que ir atrás, e não permitir que ninguém te fale que é frescura.
A endometriose roubou anos da minha vida. Foram anos vivendo com angústia, com dor e com a ideia de que estaria sentenciada a isso para sempre.
Essa questão me atormentou por anos. E ainda tive de enfrentar os olhares de pessoas próximas de reprovação, que achavam que o que eu sentia era frescura.
Hoje, 7 meses após a cirurgia, a minha qualidade de vida é outra. Minha perspectiva e forma de encarar a vida também são bem diferentes.
Sou feliz, abro as janelas, me espreguiço e dou muito valor às coisas simples da vida. O simples fato de poder acordar sem dor, e ter a possibilidade de poder fazer o que eu quiser, vale muito para mim.
Ainda tenho olhares de reprovação, de descaso, mas estou numa fase de ressignificação da minha vida, porque essa é a minha história. Estou aprendendo a ser quem eu sou. Nunca tive ciclos hormonais sem medicamentos, e a maioria das pessoas, principalmente, os homens não fazem a menor ideia do que seja isso.
Por alguns períodos, eu não sabia quem eu era. A sensação que tenho é que tive anos roubados e ninguém entende isso. É muito difícil enfrentar tudo isso sozinha, sem apoio e, muitas vezes, sem carinho ou conforto, porque nada consegue te confortar.
É difícil voltar às atividades normais, como as acrobacias no tecido que eu tanto amo. De novo, mais uma vez, não consigo fazer movimentos que demorei anos para aprender, mas estou recomeçando de novo. E recomeçarei quantas vezes forem preciso.
Agora sigo o tratamento, sigo ouvindo meu corpo e sigo feliz. Apesar de tudo, de poder seguir em frente com meus sonhos, de poder conquistar o mundo e quem sabe um dia ter um filho. Ter certeza do que eu ainda posso viver… algo que antes não tinha, não tem preço.
Achar um profissional que, acima de tudo, respeitasse o que eu estava sentindo, sem achar frescura ou que era menos pior do que eu relatava, um profissional sensível ao meu posicionamento foi essencial para mim.
Sem falar no conhecimento, na estrutura que conforta e passa confiança, e que sim é possível ter uma qualidade de vida apesar da endometriose. Além de ginecologista, as conversas com o cirurgião são quase terapêuticas para mim.
Agradeço a Caroline Salazar por ter feito o blog A Endometriose e Eu, pois sem ele o acesso à correta informação teria sido mais difícil. E eu não poderia contar minha história dessa forma, pois cada história é uma ajuda para quem passa por tanto desprezo por conta de um problema de saúde tão grave.
Hoje eu estou namorando, bem recuperada e com uma nova perspectiva sobre tudo e com mudanças de vida, pois tudo que passei me fez tirar lições preciosas e enxergar a vida com outros olhos. Sigo aprendendo a cada dia, com o apoio de amigos e da minha família linda.
Esse é um resumo da minha história que graças a Deus continua com força, garra, perseverança e esperança. Foram 18 anos dos primeiros sintomas à solução do meu problema, sendo que nos últimos cinco foram os mais incapacitantes.
Espero que meu relato inspire muitas endomulheres, que ainda estejam sofrendo mesmo após cirurgia, e que não veem uma luz no fim do túnel, a procurar um especialista e o tratamento correto da endometriose. Beijo carinhoso, Cristina”.
*(nota da editora: segundo o doutor David Redwine, como o próprio nome diz CA significa câncer e é marcador tumoral, ou seja, foi criado para marcar alguns cânceres ginecológicos, mas como não é específico para endometriose, nem sempre dá alterado).
Fotos: Arquivo pessoal/ Cristina Cobra