David Redwine: A menopausa cura a endometriose?

0

Um dos mitos da endometriose é afirmar que a menopausa cura a doença mesmo sem, até hoje, ter nenhum relato na literatura de que isso realmente é possível.

Em 2014, quando postei este texto do doutor David Redwine no blog do blogspot, recebi uma mensagem da Eunice, que eu uso nas minhas palestras, dizendo que recebeu o diagnóstico da doença 3 anos após menopausa.

No comentário que está lá no blogspot, ela questiona: “Será que minha doença apareceu depois da menopausa ou os médicos foram negligentes comigo?”. Ela teve seu diagnóstico após 1000 dias sem o estrogênio ativo em seu corpo.

Em março de 2014, quando fiz em São Paulo o primeiro evento no mês março, o I Brasil na Conscientização da Endometriose, no Vão Livre do MASP, na avenida Paulista, conheci uma senhora americana que, ao ver os balões amarelo, me parou e disse que foi diagnosticada com endometriose aos 80 anos.

A partir daí, aliado aos estudos do doutor Redwine e outros cientistas, como mostra o texto abaixo, comecei a desmistificar mais esse mito. Na literatura científica, a paciente mais velha diagnosticada com endometriose tinha 78 anos.

Frequentemente escutamos de especialistas que a menopausa natural ou feita após castração, quando há a retirada do útero, ovários e trompas, cura a endometriose. Mas isso não é verdade!

Nesses 10 anos de blog conheci muitas leitoras que passaram por histerectomia parcial e ou total, mas ainda continuam com a doença. E o mais grave da propagação desse mito é deixar essas mulheres, que já sofreram a vida toda, sem sequer diagnóstico.

Claro que não é comum ter endometriose na menopausa, mas essa possibilidade não pode ser descartada para aquelas que têm sintomas.

Outra situação é quando sugerir à mulher a histerectomia, seja ela total ou parcial. Até porque não adianta nada mutilar a mulher e cauterizar a doença. A histerectomia cura apenas a adenomiose, não a endometriose. Leia mais sobre no texto “Abril Roxo: Mês de Conscientização da Adenomiose”.

Já a cura da endometriose é possível apenas com cirurgia completa (excisão + conhecimento e reconhecimento total dos focos). 

Por isso é muito importante, antes de qualquer cirurgia, conversar e pesquisar sobre o que seu cirurgião pensa sobre a doença. Meu conselho é conversar com o máximo de pacientes operadas por ele para saber se ele realmente faz a cirurgia completa como deve ser feita e preservando ao máximo os órgãos reprodutores da mulher. Beijo carinhoso! Caroline Salazar

Por doutor David Redwine
Tradução: Alexandre Vaz
Edição: doutor Alysson Zanatta

A menopausa cura a endometriose? 

Nunca houve um estudo comprovado por biópsia que demonstrasse que a menopausa erradica, destrói ou cura a endometriose. Tampouco nunca existiu um estudo comprovado por biópsia que mostrasse que a remoção dos ovários erradica, destrói ou cura a endometriose.

A paciente mais idosas com endometriose relatada na literatura tinha 78 anos e foi reportada por Haydon em 1942. Já a paciente mais idosa que teve a doença confirmada por biópsia tratada no St Charles Endometriosis Treatment Program tinha 74 anos.

O conceito de que a remoção dos ovários destruiria a endometriose era tão forte, que essa idosa teve seu útero, trompas e ovários removidos aos 73 anos com a promessa de “curar” sua doença, apesar de ela não ter estrogênio desde quando recebeu radioterapia para destruir seus ovários na década de 1940.

De onde surgiu a noção de que a menopausa (e, por dedução, a remoção dos ovários) poderia destruir a endometriose?

Como não tinha observado endometriose após a menopausa, Sampson ficou esperançoso que a suspensão da função ovariana iria “tipicamente e possivelmente em todos os casos” causar a atrofia da endometriose.

A endometriose precisa de mais do que verbos e advérbios para o seu tratamento. Meigs agravou o problema ao ignorar entre suas 16 pacientes de endometriose em menopausa, duas ainda tinham endometriomas.

Ele propôs que fossem removidos os ovários como método para cessar a função ovariana, o que levaria os cistos no interior dos ovários a parar seu crescimento e lentamente atrofiarem.

Como exemplo do “sucesso” dessa terapia, ele relatou o caso de uma paciente com massa pélvica (que presumivelmente seria um ovário minado de endometriose) que persistiu durante 25 meses após a remoção dos ovários.

Os defensores da erradicação através da menopausa parecem ter um jeito todo especial para dar opiniões sem suporte científico ou para fazer má interpretação dos dados disponíveis.

Cattell e Swinton afirmaram que “a castração fará com que a lesão regrida podendo aliviar os sintomas”, embora não tenham apresentados dados ou referências que suportem essa teoria.

Cattell mais tarde verificou que 54% de suas pacientes com a doença intestinal significativa continuaram a ser sintomáticas ou a ter raio-X anormais mesmo após a castração, embora não tenha debatido a racional da terapia que deixou a maioria das pacientes com sequelas.

Fallon, escreveu sem apoio de nenhuma referência que suportasse suas afirmações, que “… toda endometriose regride após a remoção dos ovários…”.

Counsellor e Crenshaw afirmaram (sem referências) que “obviamente, a forma mais rápida e mais certa para o alívio da dor é a destruição da função ovariana”.

É claro que agora se percebe que esses estudos iniciais sobre a menopausa e endometriose tiveram suas conclusões baseadas na observação dos sintomas ou aparentes taxas de endometriose entre as pacientes em menopausa: pacientes que pareciam ter menos dor, ou nenhuma dor após a menopausa porque os ginecologistas raramente observavam a doença após a menopausa, pois concluíam que a menopausa destruía fisicamente a endometriose.

Não fizeram estudos de controle com base em biópsia para confirmar suas opiniões, e até hoje não existem provas concretas de que a menopausa tem o efeito por eles afirmado.

Kempers reportou 138 portadoras que tinham entrado em menopausa 2 ou mais anos antes. Apenas duas tinham recebido estrogênio. 60% tinha tido pelo menos uma gravidez e 41 possuía doença intestinal significativa.

No St Charles Endometriosis Treatment Program, ele teve uma série de 65 pacientes com endometriose comprovada por biópsia, após histerectomia (retirada do útero) ou ooforectomia (remoção cirúrgica de um ou ambos os ovários).

Algumas dessas pacientes estavam na casa dos 20 anos e não tinham filhos. Foi-lhes dito que a histerectomia e a castração como retenção da doença as curariam da endometriose.

Para um médico acreditar que a menopausa é um bom tratamento para a endometriose, ele deve acreditar que as mulheres não precisam de estrogênio.

Além disso, para que uma menopausa natural ou cirúrgica funcione, deverá ocorrer um efeito citocidal (que causa a morte das células) histohormonal (rede de hormônios) miraculoso ainda por descrever.

Até agora, o único suporte para esse efeito misterioso é o coro estridente daqueles que sem perspectiva histórica ou científica ainda acreditam que a menopausa cura a endometriose.

Nota do Editor: o conceito que menopausa cura a endometriose é mais um conceito derivado da teoria da menstruação retrógrada, segundo o qual a menstruação seria causada por células menstruais refluídas pelas trompas. Assim, cessando-se as menstruações com a menopausa, cessar-se-ia a endometriose.

Entretanto, os relatos acima demonstram que isto aparentemente não acontece. Ainda assim, costumamos observar melhora clínica dos sintomas causados pela endometriose com advento da menopausa.

E, da mesma forma que na mulher durante o menacme (vida menstrual ativa), as decisões clínicas serão baseadas em sintomas, também para a mulher que está na menopausa.

Felizmente, uma pequena parte destas mulheres precisará de tratamento específico para endometriose nesta fase.

Imagem: Deposit Photos/ Caroline Salazar

Comments are closed.